Em matéria publicada recentemente, transcrevi uma breve história da pena de morte, assim como as diversas modalidades de execução ainda existentes legalmente e uma relação dos lugares onde ela ainda é adotada.
Desta feita, exporei minha própria opinião a respeito, inclusive à luz dos princípios de “humanidade”, cristianismo, moral, etc.
Começo por lembrar que nenhum, entre humanos, tem direito sobre a liberdade e a vida de outrem, o que desemboca na certeza de que ninguém tem o direito de ceifar a vida de qualquer pessoa. Se eu, você ou qualquer outra pessoa não detém o poder de “dar”, ou “devolver” a vida a qualquer semelhante, também não o tem de tomá-la, de fazê-la cessar. E quando digo “ninguém”, refiro-me a pessoas físicas, jurídicas, coletivas, entre elas incluindo-se estado e “sociedade”.
São compreensíveis a revolta, o ódio, o rancor e, até, o desejo de vingança de quem sofre a dor da perda, por homicídio, de um ente querido, mas nem isto justifica, legitima ou humaniza o ato de matar o assassino. Houve tempo em que vigia o costume do “olho por olho, dente por dente”, a vingança privada, cada um empregando a força de que dispunha. Mas um dia alguém (e não foi apenas um “alguém”) entendeu que as desigualdade de poder, de fortunas, acabavam por conduzir a punições excessivas, muitas vezes desumanas, assim como a impunidades desconcertantes. Imperava a “lei do mais forte”. Assim, emergiu a necessidade de centralizar-se, em mãos de pessoas investidas pelos grupos sociais (famílias, associações, etc.) de criar normas, de fazê-las obedecidas, respeitadas e executadas, bem como de punir aqueles que as transgredissem. Nascia, assim, aquilo que se apelidou inicialmente de “vingança oficial”, a qual vem aperfeiçoando-se com a modernização das instituições, com a evolução da civilidade e da educação das pessoas.
Na era contemporânea, iniciada a partir da Revolução Francesa, nasceu o “estado”, que centraliza e organiza as atividades das populações, criando órgãos, uns para a elaboração das leis, outros para impor e fiscalizar a aplicação e o cumprimento delas e mais outros para punir os transgressores. Dali para cá, era o estado, não os indivíduos, quem detinha o poder punitivo. Não mais o “olho por olho, dente por dente”, não mais a desproporcionalidade entre ação e reação. E deveria, o órgão estatal encarregado de punir, definir o grau de culpabilidade e a intensidade de pena, que poderia chegar à morte.
Da mesma França de onde se irradiou o espírito libertário, onde se condenaram muitos à morte por muito tempo, espargiram-se pelo mundo o princípio liberal e o sentimento humanitário, isto influenciado principalmente pela Doutrina do Cristianismo. Ela ensinava (e ensina) que a vida é dom divino, é criada e doada por Deus e somente Ele tem o Poder de retirá-la. Ensinava (e ensina, ainda) o “arrependimento” e o “perdão” que têm a força de regenerar o espírito, fazer renascer a criatura, tornando-a útil à própria sociedade. E estes ensinamentos, estes princípios têm conduzido à extinção da pena de morte em grande número de países.
Contudo, ainda ouvimos críticas pela não adoção, em nosso País, da pena de morte. Desde 1890, com a promulgação do Código Criminal, a pena de morte, nele abolida, foi readotada diversas vezes para, em 1945 e, depois, em 1988, vir a ser definitivamente abolida no Brasil. E não poderia deixar de sê-lo; imagine-se aplicar-se pena de morte com a garatuja de justiça penal que possuímos, em que aparentemente os mais abastados acabam quase sempre impunes; pense-se nisto numa sociedade corrompida por preconceitos, por ganância, por egoísmo, por nojo à hierarquia, por desrespeito a quase todos e tudo ter-se-á a certeza de que morreriam, condenados, predominantemente, pessoas sob um dos tres “p” do Major Rábula Cosme de Farias, por ele identificados um dia, na Tribuna do Júri em Salvador.
Entretanto, embora não decretada por juiz, não emergente de um processo legal em que o acusado tenha a oportunidade de defender-se, de ser defendido e de produzir provas a seu favor, a pena de morte vem sendo executada no Brasil. E são executados maus e bons, culpados e inocentes, mais pobres que ricos, mais pretos que brancos, nem sempre “mulheres de vida” (quase extintas), diante de uma incompetência absurda e até, talvez, intencional, dos governantes, dos legisladores, dos julgadores. O delinquente foi travestido em “vítima da sociedade” e passou a ser protegido, tutelado, pelo poder público. Este, representado por julgadores e legisladores, vem atenuando as sanções aplicáveis aos criminosos, sob a desculpa esfarrapada da “ressocialização” que já se mostrou sobejamente inalcançável. Não sei se um por cento dos condenados, ao terminar de cumprir pena, deixa de voltar ao mundo do crime, de onde em verdade não terá saído. Porque a “politica de reabilitação”, de “reeducação” de oferta de oportunidades, apenas existe no papel. Porque os governantes preocupam-se somente na sua perpetuação na vida política, no bem estar próprio e dos seus familiares, pouco “se lixando” para os problemas sociais ou jurídicos.
E, assim, se morre precocemente por falta de alimentação, de assistência médico hospitalar, de conforto, de respeito, de solidariedade, como muitos são mortos por terceiros, por muitos motivos.
Costumo perguntar aos meus botões: “que diferença haverá entre ser executado por um verdugo oficial ou por um criminoso comum?”
Vai-se estar morto, de qualquer forma.
Matam e se morre por insignificâncias, por pouco mais que “nada”, como se a vida fosse “bagatela”.
Enquanto isto o pseudo humanismo, a omissão e o alheamento conduzirão cada ato, cada morto, cada lágrima, ao esquecimento.
José Carlos Britto de Lacerda é advogado ipiauense
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