O urbanista ipiauense arquiteto Elson Andrade repercute artigos sobre o tema, e traz uma análise crítica sobre a recente alta do preço do cacau na Bolsa de New York, analisa as bases da eterna e constante novela do renascimento e morte desse setor.
Em artigo exclusivo para o IPIAÚ ONLINE deixa a pergunta: – Há décadas na UTI, o que verdadeiramente implicará à cacauicultura sul baiana, este novo capítulo (forte alta repentina) na cotação do cacau- commodities?
Fonte: Site Investing.com
Tenho defendido a tese que a verdadeira Verdade no plano dos humanos pelo menos, é de ordem material. Porém, temos que destacar que é justamente no plano humano, onde ela, a verdadeira Verdade, na grande maioria das vezes, tem perdido para as Versões (narrativa popularmente difundida, especulações “aceita” e corrente). Portanto, só nos resta trazer os dados e fatos, para decifrar o que de realmente está acontecendo na atual situação da nossa cacauicultura.
Segundo a agência de notícia especializada [Reuters] – O Mercado de Cacau em bolsa, entrou em pânico nesta sexta-feira (09), com os preços recorde praticados, já pelo nono dia consecutivo, quando os preços mundiais do cacau atingiram novos e temerários recordes, deixando os players do mercado financeiro em pânico, dado a real escassez de oferta do produto-commodities, nas fazendas, em especial, as da África.
E diz ainda – O aumento do preço do cacau também deve afetar ainda mais os bolsos dos consumidores de chocolate, uma vez que os fabricantes de chocolate já esgotaram seus estoques da matéria-prima comprada a menor custo antes, segundo especialistas do setor.
A Hershey, grande fabricante de chocolates, disse na última quinta-feira que espera que os preços históricos do cacau limitem o crescimento de seus lucros este ano, em meio a uma desaceleração ainda maior da demanda por seus produtos mais caros. “O pânico já está muito presente no mercado, mas, potencialmente, podemos subir ainda mais”, disse à Reuters, o analista do Rabobank Paul Joules.
“Para mim, o risco real é a próxima temporada. Quando tivermos safras no segundo trimestre, se a contagem for baixa, as pessoas vão questionar se isso é sistêmico”, acrescentou.
Joules explicou que as doenças que atualmente afetam os cacaueiros na principal região produtora da África Ocidental são muito piores do que nos últimos anos, e que não há outro tratamento além de cortar as árvores e replantá-las.
Os futuros do cacau da ICE London atingiram um recorde de 4.916 libras por tonelada métrica mais cedo na sexta-feira, mas fecharam abaixo da máxima com ganho de 2,1%, a 4.757 libras. Os preços mais do que dobraram desde o início do ano passado.
Em Nova York, os futuros de cacau da ICE atingiram um novo recorde de 6.030 dólares por tonelada na sexta-feira, tendo quase dobrado desde o início do ano passado. O contrato fechou com ganho de 1,4%, a 5.888 dólares.
Uma pesquisa da Reuters sobre cacau na semana passada previu um déficit global de 375.000 toneladas na temporada 2023/24, mais do que o dobro do indicado na pesquisa anterior, em agosto, e marcando o terceiro déficit consecutivo do mercado.
Na reportagem da (Reuters), aqui reproduzida, servindo-nos de base, a análise em tela – Os negociantes disseram que, apesar dos altos preços recordes, os vendedores de cacau físico se retiraram em grande parte do mercado, deixando-o com um problema contínuo de liquidez.
A pergunta que fica é: O que será do futuro da economia cacaueira de Ipiaú e região sul baiana, depois do esdrúxulo capítulo dessa eterna novela (renascer da cacauicultura), notadamente de ficção, ao se tratar de dias melhores (altos preços repentinos) e da vida real, quando a dura realidade de decadência insiste em nos bater à porta?
Será que esses preços permanecerão por muito tempo assim, ou, é apenas mais uma chuva de verão? Uma dor de barriga do mercado, em especial, o especulativo-financeiro, característico de bolsa de valores?
Se voltarmos às origens, como bem descreveu Euclides Neto, a cacauicultura de Ipiaú-BA e região, nasceu de atos de subsistência mercantil dos Macaqueiros e da consequente “Ação Empreendedora”, expansionista dos primeiros imigrantes fazendeiros-forasteiros que aqui chegaram, com os pés no chão, enxada na mão e um povo nativo com cabeça de servidão.
Cacauicultura esta, desde então, extrativista, concentradora de riqueza, exógena, teleguiada, orientada e voltada essencialmente à exportação.
Na história fotográfica da cacauicultura local, “não há registro” comum, de filho de pobre comendo chocolate. Raridade. Se aconteceu, é capaz que um dos dois, estava doente.
A realidade que a Globo, e nenhum outros veículos de comunicação comercial, vai mostrar, é a real fotografia socioeconômica do estado atual de “putrefação” nossa da cacauicultura sul baiana.
Panorama Agrícola de Ipiaú:
Recentemente, andando pela área rural de Ipiaú, o que mais constatei, foi “fazendas” abandonadas, fruto duma forte migração do homem do campo para a zona urbana, motivada não apenas pelas consequências da Vassoura de Bruxa, mas também pela promessa duma vida melhor na mineração; o que foi apenas um dor de barriga (fase de implantação do Projeto Santa Rita da Atlantic Nickel na Vizinha Itagibá-BA) que passou e deixou consequência ainda mais devastadora que as pragas “semeadas” na cacauicultura.
Ipiaú hoje conta com cerca de 940 minúsculas propriedades rurais, cerca de metade, abaixo de 50 hectares, posicionada portanto, na 29º colocação no ranking da Bahia, e 45º do Brasil.
O estoque geral da dívida rural de Ipiaú, já beira os R$ 40 milhões, e segundo o IBGE, Ipiaú produziu em 2022, apenas 1.373 toneladas de amêndoas de cacau (91 mil arrobas), performando uma receita bruta anual de R$ 17,2 milhões, com a marca ridícula dos 259 kg/ha, produzidas em 5.307 hectares de cacau 23% do território agrícola ipiauense.
Com cerca de 3.700 pessoas ainda sobrevivendo na zona rural, o PIB Per Capto rural de Ipiaú, é de cerca de R$ 33 milhões por ano, ou seja, R$ 9 mil reais de PIB Per Capto rural.
Em verdade, o que suporta esta subsistência, de forma suplementar, são as mais de 2.500 aposentadorias rurais e o milhares de benefícios recebidos do governo federal em seus programas assistenciais, tais como BPC, Bolsa Família…Em completa contradição com as cerca de 200 carteiras de trabalho assinadas no campo.
O grupo social Brasil de Fato, mostra em documentário (link do YouTube, disponível no final desse artigo) como vivem atualmente os trabalhadores do cacau, esquecidos pela Globo, no enredo da novela Renascer.
Segundo o grupo – Por trás das intrigas de coronéis e as aventuras do amor entre José Inocêncio e Maria Santa em Renascer, renomada novela da Globo lançada na última semana, há um mundo de violações trabalhistas não retratado. E o pior: sustentado por multinacionais que lucram bilhões com a produção do chocolate no Brasil.
Produzido pelo Brasil de Fato, o documentário Meeiros, dos repórteres Pedro Stropasolas e Vitor Shimomura, recentemente, mostra as precárias condições de vida das famílias rurais que produzem o cacau para a comercialização do produto como commodities agrícola. E traz luz a uma realidade agravante: a estrutura da cadeia produtiva é sustentada mundialmente por uma lógica desumana e imoral, onde a escravidão contemporânea e o trabalho infantil são práticas comuns nas zonas de cultivo.
“A família produtora de cacau é o principal ator nessa cadeia produtiva e, ao mesmo tempo, é a principal vítima de um processo desumano. A situação é muito grave”, conta Vitor Shimomura, um dos diretores.
“Por trás da produção do cacau há um enorme rastro de pobreza e desigualdade. É isso que o documentário Meeiros aborda. A riqueza do cacau e do chocolate não chega às famílias produtoras. Se paga muito mal pelo cacau e as famílias não têm condições de qualificar sua produção a ponto de escapar da relação predatória com as moageiras e atravessadores”, completa Shimomura.
A crise do cacau
Na região sul da Bahia, o colapso socioeconômico provocado pela incidência do fungo Vassoura-de-Bruxa nas áreas de cultivo, a partir de 1989, impôs uma nova configuração das relações de trabalho na cadeia produtiva. Para manterem as terras, muitos produtores entregaram as fazendas devastadas pela praga para o zelo dos meeiros do cacau, por meio de contratos de parceria agrícola.
Quem menos sentiu a crise foram as multinacionais que controlam a cadeia produtiva de cacau e chocolate. Pelo contrário, elas ampliaram seu domínio sobre a produção mundial no período.
Da década de 1980 até os dias atuais, segundo um relatório de análise situacional produzido pela ONG Papel Social e lançado pela Organização Internacional do Trabalho e pelo Ministério Público do Trabalho, em 2018, o percentual do valor de uma barra de chocolate que permanece com o trabalhador rural foi reduzido em 62%.
Esse dado mostra o papel do oligopólio estrangeiro para agravar a pobreza na Bahia e no Pará, estados que respondem por 90% da produção de cacau brasileiro.
“Meeiros” fala sobre a cadeia do cacau, mas é um retrato de como se estrutura a produção de commodities dentro do agronegócio brasileiro. Um modelo colonial, e altamente dependente do capital estrangeiro”, analisa Pedro Stropasolas, que também assina a direção. (Vale muito apena assistir).
A cadeia produtiva:
Barry Callebaut, Cargill e Olam Brasil processam em Ilhéus (BA) mais de 90% do cacau produzido no país / Pedro Stropasolas e Vitor Shimomura
São três as moageiras estrangeiras que dominam o mercado de processamento da amêndoa do cacau: a belga Barry Callebaut, a cingapuriana Olam Cocoa e a norte-americana Cargill. As três multinacionais processam em Ilhéus (BA) mais de 90% do cacau produzido no país.
Das moageiras, é produzido a manteiga e o pó de cacau, matérias-primas para a confecção do chocolate pelas grandes marcas do varejo. Também estrangeiras, Nestlé e Mondelez dominam esse mercado, e são responsáveis por dois terços do chocolate consumido pela população brasileira.
O cacau colhido pelos meeiros chega às três moageiras por meio de atravessadores. Essa comercialização não é monitorada, e as vendas, em boa parte dos casos, ocorrem de modo informal. É neste cenário de pouca fiscalização, em áreas rurais esquecidas da Costa do Cacau, onde as violações trabalhistas ocorrem, e onde as gravações de Meeiros foram feitas.
O enredo do documentário tem como eixo central a história de três famílias de trabalhadores rurais que vivem em Ilhéus e Uruçuca. No período de gravação, no início de 2018, ano de seca e baixa colheita, as famílias de Dermeval, Robério e Biro não conseguiam alcançar um salário mínimo mensal para o sustento familiar.
“O preço pago pelos intermediários é tão baixo que as famílias não conseguem pagar as contas no fim do mês. Na prática, o que vemos é que o contrato de meação ou parceria é usado para maquiar a relação de exploração e violações de direitos”, pontua Vitor Shimomura.
Robério e família: dupla jornada como meeiro no cacau e na seringa não são suficientes para uma renda maior que um salário mínimo mensal / Pedro Stropasolas e Vitor Shimomura
Lucros e receita em meio ao trabalho escravo e infantil:
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), cerca de 8 mil crianças e adolescentes brasileiras trabalham nas zonas de cultivo do cacau.
Além disso, ao menos 148 pessoas foram resgatadas do trabalho escravo em fazendas de cacau nos últimos 15 anos, segundo levantamento da Repórter Brasil. A ampla maioria destes trabalhadores eram meeiros do cacau.
Enquanto isso no mundo dos negócios, a Nestlê teve um lucro operacional de 7,9 bilhões de francos suíços somente no primeiro semestre de 2023. Já o lucro líquido da Cargill em 2022, somente em suas operações no Brasil, foi de R$ 1,2 bilhão, segundo anúncio da própria empresa.
Meeiro por anos, Biro hoje conseguiu ser fichado, mas vive com a família em uma antiga fazenda sem energia elétrica / Pedro Stropasolas e Vitor Shimomura
Em 2023, a Cargill, que possui em Ilhéus (BA) sua maior unidade de moagem do cacau da América Latina, foi condenada por permitir o trabalho infantil e a escravização de crianças na produção cacaueira em cidades da Bahia.
“Nada é feito de concreto para mudar este cenário. A cadeia produtiva do cacau, na forma como está estruturada, é confortável para quem está no topo. Não há qualquer interesse em monitorar as condições de trabalho de quem colhe o cacau usado para produzir o chocolate”, finaliza Pedro Stropasolas, um dos diretores de Meeiros.
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Da redação: Elson Andrade – que é arquiteto, urbanista, empresário desenvolvimentista, pós-graduado pelo Instituto de Economia da Unicamp.
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