Ipiaú: Relembre a trajetória do saudoso Adenor Soares em biografia contada pelo professor Samio Cássio

Foto: Ipiaú Online

Adenor dos Reis: o homem negro e suas múltiplas identidades 

A história de Adenor dos Reis Soares foi constituída por diversos marcadores, exemplo, raça e classe fato comum em relação à população negra no Brasil.

Conforme informações de familiares, Adenor nasceu na cidade de Maracás-BA, no Centro-Sul Baiano, em 27 de maio de ano de 1949.

Adenor fora registrado apenas por sua mãe, Eutrosina dos Reis Soares. Também estudou com os padres em sua cidade natal. Ainda jovem foi morar em Jequié-BA, na década de 1960 conheceu a jovem Maria Anita Rosário, ainda muito jovens, iniciaram o namoro.

Pouco tempo depois ocorreu a cerimônia de casamento, no dia 16 de março de 1968, sendo celebrado pelo padre Jairo E. Matos da Silva, na matriz de Jequié- BA. Após o matrimônio, a noiva passou a ser chamada Maria Anita do Rosário Soares, e o casal veio residir no município de Ipiaú-BA no final da década 1960. Tempos depois, o casal teve duas filhas, três filhos e muitos netos/as. Adenor dos Reis Soares faleceu às 22 horas do dia 13/10/2018 no Hospital Geral de Ipiaú (HGI). 

 Ainda acerca de sua biografia, a Colaboradora declara que: Ele morou em um convento com os padres em sua terra natal, logo depois foi para o candomblé da nação Jeje, tendo como pai de santo o senhor Joselito, e seus orixás de sua “cabeça” eram Oxóssi e Ogum, suas ocupações laborais: engraxate, feirante, propagandista, vendedor de enciclopédias, serralheiro (relatos orais).

Na narrativa da colaboradora  ficou evidenciado que Adenor dos Reis foi adepto de duas religiões, catolicismo e candomblé, além de ter exercido atividades laborativas em diversificadas áreas. A atuação política, social e religiosa de Adenor dos Reis Soares localiza-se territorialmente no Território Rural Médio Rio das Contas ,  temporalmente entre 1983-2000. 

Em 1980, o município tinha aproximadamente 40 mil habitantes, as principais atividades econômicas eram o plantio do cacau e a agropecuária. O município de Ipiaú era exponencialmente próspero, mas as riquezas estavam em posse de uma minoria até os finais da década de 1980.

Mediante o levantamento de dados bibliográficos e das entrevistas constata-se que haviam muitos desabrigados, marginalizados no período em menção, sua maioria constituída por negros e pardos sem direito a terra para construir casa própria. Porém, o advento da praga da vassoura de bruxa na lavoura cacaueira provocou a falência de diversos fazendeiros, dessa maneira, teve início o êxodo rural no município. 

Consequentemente aumentou-se os problemas sociais referentes à moradia, educação, trabalho, dentre outros. É nesse contexto que o pesquisado, Adenor dos Reis Soares, destacou-se como um dos principais líderes da história do movimento dos Sem-Teto no município de Ipiaú.

Na década 1980, sob a liderança de Adenor dos Reis Soares, houve várias ocupações em terrenos urbanos, dessa forma, muitos desabrigados se juntaram a ele e ocuparam terrenos para serem feitas construções de moradias na zona periférica da cidade. Entretanto, esses territórios ocupados não continham uma infraestrutura razoavelmente aceitável, por exemplo, esgotamento, luz elétrica, água encanada etc. Em sua memória, tempos depois, o populoso bairro formado – que contém sua história praticamente apagada e fora fruto do protagonismo do pesquisado – concedeu-lhe o nome de uma rua, vindo a ser denominada de Rua de Adenor dos Reis Soares. 

Sua trajetória é formada por diversas funções trabalhistas já suprscitadas nesse texto, isso em vista da precariedade socioeconômica da época, assim, Adenor foi ex-seminarista, pai de santo, propagandista, vendedor de enciclopédias, líder de invasões em terrenos urbanos, e, portanto, precursor do Movimento dos Sem-Teto na cidade (CASTRO, 2018,). A política local era comandada pela elite branca e cacauicultora, dessa maneira, o acesso dos grupos marginalizados aos espaços políticos, econômicos e jurídicos eram dificultados. Os negros e pardos eram as principais vítimas da dinâmica do racismo. O nó do problema está no racismo que hierarquiza, desumaniza e justifica a discriminação existente (MUNANGA, 2006, p. 53).

Histórica e contemporaneamente, é necessária a desconstrução de pensamentos discriminatórios que legitimam a exclusão de pessoas segregadas, o que, consequentemente, perpetuam a miséria e anulam pessoas específicas de espaços de direitos. MUNANGA (2006, p. 4) pontua que: as relações entre as três classes são permeadas pelos sentimentos de superioridade e inferioridade decorrentes dos preconceitos existentes entre elas. “Aqui estamos diante de um preconceito socioeconômico”. Adenor Soares, como uma das pessoas negras marginalizadas e inferiorizadas, ocupou a cadeira no legislativo municipal entre os anos de 1983 a 2000, tendo um intervalo em 1992, mas sendo reeleito em 1996. Candidatou-se outras vezes, mas não conseguiu ser mais eleito ao cargo de vereador. Porém, não deixou a política, chegou a participar de outros pleitos, alcançando algumas suplências, por exemplo, nos anos de 2000, 2004.

A ATUAÇÃO POLITICA DE ADENOR DOS REIS NO MUNICÍPIO DE IPIAÚ–BA

O vereador foi um articulador político comprometido com causas sociais, especialmente nas áreas dos esportes, educação, saúde e doações de terrenos para instituições públicas e pessoas físicas. O edil teve boa relação política com  os prefeitos: Hildebrando Nunes Rezende (1983-1988), Miguel Cunha Coutinho (1989-1992) e José Mota Fernandes (1997-2000). Mas sua melhor relação política foi com o último prefeito citado, em decorrências dos inúmeros projetos que o vereador Adenor dos Reis Soares ajudou a aprovar nas seções entre os anos 1997-2000.

Mesmo com características progressistas, tinha ligação política com grupo de Antônio Carlos Magalhães – ACM. Fazia-se presente em alguns comícios, era um excelente orador, tinha uma boa retórica, suas narrativas eram admiradas por diversas pessoas, independente da classe social. “Com o seu poder da oratória era capaz de entreter do intelectual ao trabalhador. Esteve marchando ao lado de políticos em campanhas desde Leur Lomanto, Miguel Coutinho, entre outros” (ROMMEL, 2019).

Adenor presidiu a comissão de educação e saúde por dois períodos distintos, nas legislaturas de 1987 e 1997. Leis importantes foram aprovadas com as colaborações da comissão supracitada nesses dois momentos. Em 1987, na condição de presidente, ele votou favorável à ampliação fixação  dos limites do município, desse jeito, incluindo outras localidades antes segregadas. Assim sendo, a Câmara Municipal aprovou o P.L 002 de 23-04-1987 que fixava os novos limites do território ipiauense.

 No ano de 1997 esteve mais uma vez à frente da comissão de educação e saúde, desse jeito, entrou em pauta a discussão de um projeto que tinha por finalidade conceder bolsas  de estudos para estudantes carentes. A primeira discussão aconteceu no dia 10/04/97, a segunda no dia 17/04/97 e a redação final em 08/05/97. Posteriormente, o projeto foi aprovado pela Câmara Municipal. 

O vereador, como tinha nos traços de sua personalidade a luta pelo acesso à terra, ajudou a aprovar a P.L. 013 de 30-11-2000, que tratava da doação de um terreno à empresa do senhor Adilson P. da Silva, para a construção de uma fábrica de cimento na Rua 2 de Dezembro, em Ipiaú, sendo 29 metros de frente 126 metros de fundo. Deve-se levar em consideração que a principal questão em doar o terreno era a geração de empregos, dessa forma, o projeto foi aprovado.

O vereador Adenor dos Reis Soares, estando ou não presidente ou sendo secretário de algumas comissões, ajudou a aprovar projetos que trouxeram benefícios para toda população ipiauense, ajudando os prefeitos Hildebrando Nunes, Miguel Coutinho e José Mota a desenvolverem o município, especialmente nas várias áreas que trazem benefícios sociais para a população mais carente da cidade e dos distritos, lugares constituídos majoritariamente por pessoas negras e pardas.

RELATOS DE UM DOS NOSSOS COLABORADORES/AS: NA ÍNTEGRA

 Quando conheci Adenor, eu era menino, tinha 12 anos de idade, ele era um propagandista nas feiras livres, vendia remédios e garrafadas, depois ele abriu uma casa de candomblé,  aqui em Ipiaú, Adenor, foi do candomblé, da nação Ketu e Jeje, seu pai de santo foi senhor Joselito, e seu cunhado, e seus orixás de sua cabeça eram Oxóssi e Ogum, nas micaretas, nos trajavamos de índios, ele colocava seu cordão de caboclo, chamados filhos de Oxóssi, lá no centro a gente encontrava o cordão da saudosa Etelvina, com seu cordão os tupinambás, mais o senhor Vivaldo, conhecido como “viva curador”, era uma festa linda. Após muito tempo ele chegou  até nós e disse que ia se lançar a candidato e, quero o apoio de vocês população pobre aqui do bairro (Euclides Neto), o qual Deus abençoou e o Santo dele, conseguiu se eleger. 

Quando ele ocupou a invasão, a polícia perseguiu ele e prendeu ele, e a gente tudo foi atrás com machado, picareta, foice, enxada etc., ali na praça dos comentas (em frente à delegacia velha), a gente fez um círculo de pessoas, só saímos de lá, quando a polícia devolveu ele para nós, os adultos o jogaram nas costas e fomos embora. Ele liderou outras ocupações: Irmã Dulce, parte do Santa Rita, Pau-d’arco e a Rua da Banca. Com determinado tempo, deixou de trabalhar com candomblé, mas nunca desistiu de nos representar nos programas de rádios, e dava elogios a todos terreiros de Ipiaú.

 Para mim, ele sempre será um grande baluarte nesse bairro (São José Operário), trouxe muitas obras, calçamento, saneamento básico, ele sempre corria atrás com seus deputados, um deles era Leur Lomanto Junior, e outros deputados, e com apoio do prefeito do seu lado, conseguia as coisas para o povo. Era um vereador do povo humilde da pobreza, a população mais carente, e não se balançava pro lado dos ricos de colarinho branco.

 Ele pedia apoio ao povo do culto afro-brasileiro, para se apoiarem, por algum tempo, os brancos e a polícia perseguiam os candomblés de Ipiaú. Mas ele sempre confrontou em defesa da religião de matrizes africanas, ele nos apoiava, no qual junto com Valmir Damacena, trouxe a federação baiana dos cultos afro-brasileiros, para aqui Ipiaú. Quando a gente fosse dá uma festa, não ser mais perseguido pela polícia, isto conseguimos uma grande vitória dentro do candomblé, no qual hoje nós temos nossa liberdade.

Artigo completo segue o link:

https://ojs.brazilianjournals.com.br/ojs/index.php/BRJD/article/view/51236 

Samio Cássio é graduado em história/polo/UNEB Campus XXI. Especialização em andamento em gênero, raça, etnia e sexualidade no polo-UNEB campus XV. Início em 2023. e Gladys Oliveira graduada em História/polo-UNEB Campus XXI


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