Dois baianos que foram vítimas do trabalho análogo à escravidão em uma vinícola em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, detalharam como foram contratados para o emprego e o que vivenciaram no local. Ambos fugiram após presenciarem agressões físicas, verbais e ameaças.
O caso foi descoberta na quarta-feira (22), após a Polícia Rodoviária Federal resgatar outros 150 trabalhadores do local.
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“O alojamento tinha câmeras, era tudo monitorado. Se reclamasse de alguma coisa, espancavam a pessoa”, contou uma das vítimas, que não quis ser identificada.
Os dois homens são amigos e saíram da Bahia juntos em janeiro de 2023 rumo a uma oportunidade de emprego de dois meses colhendo uvas em uma vinícola do Rio Grande do Sul. A dupla soube da vaga a partir do familiar de um deles, que mora no estado há anos.
Após fazer contato com o empresário responsável pela contratação por telefone, os dois homens contaram que os detalhes da viagem e do emprego foram combinados. A proposta inicial incluía alojamento, as três refeições e um salário de cerca de R$ 4 mil pelos dois meses. Além disso, as passagens de ida e volta seriam pagas pela empresa.
“Chegamos lá com um grupo grande de pessoas. Quando vimos a situação todos quiseram ir embora, mas a gente não tinha dinheiro para voltar”, contou.
“Quando souberam que dei baixa na minha carteira [de trabalho], ele [suspeito] passou com a pistola com o cabo para fora para me intimidar. Apontavam a arma para irmos trabalhar, davam choque no pé. Era trabalho forçado”, disse.
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Ambos relataram que não tinham acesso à toalha, lençol, nem talheres. A comida, que chegava em quentinhas e geralmente estava estragada, era consumida com a mão.
“Até na cadeia a pessoa é tratada melhor do que lá. O que passamos não foi coisa de Deus”, desabafou uma das vítimas.
Por causa da falta de estrutura, os baianos acumularam dívidas com a compra de comidas, talheres e outros itens básicos. Além disso, eles contaram que as jornadas de trabalho passavam de 15h por dia e muitos deles começaram a colheita nas primeiras horas da manhã e voltavam para o alojamento após 23h. No dia seguinte, o ciclo se repetia.
“Acordavam a gente 4h da manhã, chamando a gente de demônio e presidiário. Nem força para trabalhar a gente tinha”, disse um dos homens em entrevista ao g1.
Um dos baianos ficou no local por 10 dias e fugiu com a ajuda da família após adoecer e não ter direito a receber cuidados médicos. Já o segundo ficou no local por 22 dias e precisou dormir na rua antes de conseguir ajuda financeira da família para voltar para a Bahia.
Além das dívidas referentes a alimentação, eles precisaram arcar com a volta para casa sozinhos. Dos R$ 4 mil que seriam pagos pelo trabalho, as vítimas não receberam nem metade: um deles recebeu cerca de R$ 400 pelo trabalho de 10 dias, enquanto o outro não ganhou nada.
O responsável por recrutar e manter os trabalhadores é uma empresário baiano que não teve o nome divulgado. Ele foi preso após a PRF resgatar 150 pessoas no alojamento, mas foi liberado depois de pagar uma fiança de R$ 40 mil.
Após a repercussão do caso, os dois baianos têm apenas um desejo: que a justiça seja feita. Eles querem ser ressarcidos pelas dívidas que adquiriram por causa das péssimas condições de trabalho e desejam que os responsáveis por enganar os trabalhadores sejam presos.
“A empresa lucrava muito em cima do nosso trabalho. Queremos alguma indenização para pelo menos pagarmos as dívidas que fizemos”, afirmou um dos trabalhadores.
Apesar de já estarem na Bahia com as suas famílias, as vítimas convivem com o trauma do que viverem na vinícola e com o medo de serem procurados pelos suspeitos. “Tenho pesadelos todas as noites”, desabafou um deles.
G1
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