Produção de cacau cai e afeta negócios de produtores de chocolate

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É comum o consumidor olhar nas prateleiras dos supermercados e estabelecimentos comerciais e fixar os olhos nas tentadoras barras e ovos de chocolates, com a aproximação da Páscoa. Mais frequente ainda é o susto que se leva com o preço em que chegaram. No entanto, poucas são as vezes em que se questionam o porquê do aumento não tão repentino dos valores do produto.

Antes de se tornar chocolate fino, 70% cacau, amargo, ao leite ou sem lactose, como conhecemos, o produto passa por um simples processo a partir da amêndoa ou semente do cacau, que é torrada e moída, após estarem totalmente secas e sem cascas e impurezas. As outras etapas para a produção consistem em separar a semente da manteiga e da torta de cacau, a partir do prensamento do líquor (cacau torrado e moído). Por fim, tudo isso é misturado com outros ingredientes como o açúcar e o leite.

Para que ocorra todas essas etapas é preciso de outros fatores que incentivem a produção desse fruto, que se transforma em um dos produtos mais amados do Brasil. Nos últimos anos, a produção do cacau na Bahia tem demonstrado uma significativa queda, e isso afetou o desenvolvimento da agricultura familiar, que buscou alternativas neste ano para não permanecer no negativo.

É o caso da Bahia Cacau, primeira fábrica de chocolate da agricultura familiar do Brasil. Localizada no município de Ibicaraí, sul do Estado, o empreendimento sentiu os efeitos da queda de produção, causada principalmente pela severa estiagem que afetou diversas cidades das regiões do Norte e Nordeste e deixou mais de 130 municípios em situação de emergência.

“A crise hídrica afetou toda a região desde o segundo semestre do ano passado e as consequências vão até o segundo semestre deste ano. Tivemos e teremos baixa na produção de cacau”, explicou Osaná Crisóstomo do Nascimento, diretor presidente da Cooperativa da Agricultura Familiar e Economia Solidária da Bacia do Rio Salgado e Adjacências (COOPFESBA).

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A cooperativa gere a fábrica, que conta com mais de 100 produtores e agricultores de cacaus associados. Neste ano, a produção de chocolate da Bahia Cacau está usando a safra colhida no segundo semestre de 2023 devido à escassez causada pela seca.

A COOPFESBA foi criada em 2010 como alternativa para os agricultores das regiões circunvizinhas, que foram afetados pela vassoura-de-bruxa (praga que afeta a plantação de cacau) e a crise do cacau. Aos poucos, também foi fomentada a produção de chocolate de 35%, 50%, 60% e 70% para agregar valor ao chocolate. Atualmente, a agroindústria produz cerca de três toneladas do produto.

“De lá para cá, trabalhamos com os cooperados, que participam do dividendo, que é a divisão das partes do lucro e dos prejuízos. Temos agregado o valor do cacau no chocolate, no preço pago, que é diferente do praticado no mercado comum”, explica o diretor da cooperativa.

Mas neste ano, devido às crises climáticas no agronegócio baiano do ano passado, esse valor influenciará ainda mais no preço dos produtos, principalmente no ovo da páscoa. “São produtos que sempre fizemos, todos os anos fazemos uma certa quantidade. Neste ano estamos nos preparando na produção, mas vamos acrescentar uma porcentagem da alta do preço do cacau no produto. Estamos com um aumento na produção de cacau este ano e, por isso, o ovo da páscoa sairá com um aumento também em seu preço”, continua Osaná Nascimento.

Queda na produção

Atualmente, o estado possui uma área plantada de cacau de aproximadamente 439 mil hectares (ha) no sul da Bahia, distribuídos em 69 mil estabelecimentos rurais, segundo dados da Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR), da Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR). Cerca de 74% dessa área (51.060 ha) são de agricultores e agricultoras familiares.

Do total da área, cerca de 60% desta área é cultivada por meio do sistema cabruca – forma de cultivo em que árvores nativas da região são usadas para fornecer sombra aos cacaueiros. O Bahia Cacau é uma dos empreendimentos que utilizam esse sistema.

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Segundo dados da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), a safra de cacau na Bahia de 2022/2023 foi de 140 mil toneladas por hectare – cinco mil toneladas a menos do que a safra de 2021/2022. O efeito da seca fez com que a produção pouco expandisse, diante da expectativa de crescimento de 10%.

Segundo o diretor da Superintendência Baiana de Assistência Técnica e Extensão Rural (Bahiater), Lanns Almeida, apesar da seca atingir todos as culturas do agronegócio, o governo do Estado investiu em tecnologias, gessos, amostras de solo e outras medidas para que a produtividade pouco sofresse com os efeitos climáticos.

“Nós tivemos um impacto, claro. As mudanças climáticas chegaram e nós tivemos um impacto esse ano na produção, cinco mil toneladas a menos, mas onde a gente tem a cabruca, que é esse agro ecossistema tradicional, um agro ecossistema secular, a gente teve impacto zero. Não tivemos um impacto mais forte, e a agricultura familiar sentiu muito pouco os impactos da mudança climática”, explica o engenheiro agrônomo.

De acordo com os dados do Bahiater, ligado à SDR, atualmente, dos 72 mil estabelecimentos produtores de cacau, 79% são de agricultores e de agricultoras familiares. O fomento da produtividade cacaueira possibilitou, por exemplo, que as quatro plantas de moagem de amêndoa de cacau, entre Itabuna e Ilhéus, gerassem 4 mil empregos diretos, e 95% do cacau brasileiro moídos nessas indústrias. Atualmente, a SDR acompanha diretamente 32.000 famílias de agricultores nos territórios da cacauicultura baiana.

“A cacauicultura para a agricultura familiar, e a agricultura familiar para cacauicultura tem uma importância única, e impacta diretamente nos municípios pequenos, comunidades rurais, e a economia brasileira. Quando o cacau está bom, os grandes centros como Camacã, Itabuna, Ilhéus e Gandu sentem em seu comércio, porque o agricultor familiar a partir da venda de cacau, gasta e investe na sua cidade, no seu município, no seu distrito e na sua comunidade”, explica o diretor.

Ainda segundo informações divulgadas pela AIPC, que consomem cerca de 95% das amêndoas no país, o recebimento de amêndoas de cacau, da Bahia, pelas indústrias foi de 136.165 toneladas, representando 61,81% do total de recebimento de amêndoas de cacau, do estado.

Em 2022 as indústrias receberam 139.641 toneladas, representando 67,86% do total de recebimento de amêndoas de cacau pela indústria, e em 2021, foi de 140.928 toneladas, alta de 39,72% em relação à 2020, representando 71,30% do recebimento nacional total de amêndoas de cacau pelas indústrias. Analistas do setor apontam para uma demanda, ampliada, de 1.000.000 de toneladas de amêndoas de cacau nos próximos 10 anos.

Conforme dados da Seagri, o setor do Cacau gerou cerca de R$ 1,8 bilhão, ou seja, 5% do Valor Bruto da Produção (VBP) das lavouras da Bahia, ocupando a 5º posição entre todas as lavouras do estado. O VBP é o índice de frequência anual, calculado com base na produção agrícola e nos preços recebidos pelos produtores.

O valor bruto de produção do cacau em 2024 foi de R$ 2,6 milhões, uma alta de 39,2% em relação ao valor bruto registrado em 2022, que foi de R$ 1,9 milhões.

Expectativa 2024

Dados da Organização Internacional do Cacau (ICCO) apontam que a safra global de cacau 2023/2024 deve ter déficit de 374 mil toneladas. Para 2022/23, a organização reduziu sua estimativa de déficit de 99 mil para 74 mil toneladas. Se confirmados os dados, será a terceira queda consecutiva.

“Esperam-se quedas significativas na produção dos principais países produtores, uma vez que se prevê que sintam o efeito prejudicial das condições climáticas desfavoráveis ​​e das doenças. Além disso, as árvores velhas nestes países produzem com rendimentos mais baixos. A baixa disponibilidade de grãos de cacau levou a aumentos significativos nos preços do cacau. Com o aumento dos custos das matérias-primas, é provável que isto afete as operações dos processadores”, aponta a entidade.

A produção mundial em 2023/24 foi estimada em 4,449 milhões de toneladas, queda de quase 11% em relação à temporada anterior. Prevê-se que a procura global de cacau diminua quase 5%, para 4,779 milhões de toneladas.

Segundo o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária da Bahia (Faeb), Humberto Miranda, apesar da queda na expectativa de crescimento devido às secas no Estado, as expectativas são de que o retorno das chuvas mude esse cenário.

“É fato que a estiagem refletiu, principalmente no segundo semestre de 2023, a produtividade e a produção de cacau no Estado. Tivemos grandes perdas na agricultura e na pecuária, mas diante do retorno das chuvas, bem distribuídas no final do mês de dezembro, em janeiro e fevereiro, as expectativas com a produção de 2024 são animadoras e possibilite que isso reflita que o preço do arroba do cacau também seja positivo”, explicou.
Dados da Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Amendoim e Balas apontaram que de janeiro a dezembro de 2023, a produção de chocolate do Brasil teve um crescimento de 6%. Das 760 mil toneladas produzidas em 2022, o país saltou para 805 mil toneladas.

Na Páscoa, a produção em 2023 foi de 10,8 mil toneladas de ovos e itens da época, um crescimento de 21% comparado a 2022. Segundo a Abicab, a expectativa para 2024 é de aumento de 15%, em meio ao “cenário econômico positivo de inflação controlada, Produto Interno Bruto (PIB) em crescimento e as indústrias próximas ao consumidor”.

Evitar danos

Para que sejam fomentadas as produções do fruto, é preciso uma série de cuidados com o manuseio, uso de equipamentos e produtos capazes de amenizar os efeitos climáticos e evitar que as perdas sejam maiores que as expectativas de crescimento.

Humberto Miranda explica que esse sistema de cabrucas não registrou grande impacto e isso ajudou a reduzir os danos em 2023. O presidente da Faeb também está esperançoso quanto à produção deste ano.

“No cultivo de cabrucas o calor possibilita que a planta aproveite bastante a fotossíntese, e isso fica melhor diante das chuvas bem distribuídas nas regiões cacaueiras. O que pode não ser proveitoso é o sistema de pleno sol, já que a pode causar um estresse hídrico e interferir na produção de cacau”, explicou ele.

As frequentes ondas de calor vividas em todo o país sobe mais um alerta para evitar danos para a produção cacaueira baiana. Segundo o engenheiro ambiental Carlos Leôncio Souza Costa, é neste período em que se faz necessário ainda mais o uso de água na região cacaueira.

“Recentemente o sul da Bahia passou por escassez de água, reduzindo a produtividade na colheita e na formação do fruto. É fundamental nesse período de descontrole climático, a preservação das nascentes, matas ciliares, monitoramento das irrigações, a construção de pequenas barragens, a reutilização das água de chuvas captadas pelas calhas dos telhados, fazer a irrigação noturna para evitar a evapotranspiração nos momentos críticos de incidência solar e plantar mudas de cacau com resistência às pragas, como vassoura de bruxa e com pouco consumo de água”, explica o técnico em agropecuária.

Segundo Lanns Almeida, o governo do Estado investe R$286.891.394,26 em sistemas produtivos na Região Cacaueira, entre mudas, agroindústrias, serviços de ATER, aquisição de calcário, gesso agrícola e títulos de terras para 35.448 famílias da agricultura familiar.

A Tarde


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