Lozinha, histórias da cortesã que marcou a memória de Ipiaú

Lozinha e seus marcadores de gênero, raça e classe

Por : Samio Cássio, Albione Souza e Paulo Roberto, historiadores 

O texto em tela com formato de uma minibiografia, tem por finalidade investigar à história e a trajetória da senhora Lozinha, no município de Ipiaú-Ba. O recorte temporal da pesquisa em tela são as décadas de 1960/70. 

Neste sentido, recorremos a relatos orais de munícipes contemporâneos da pessoa histórica em questão. O objetivo geral desse texto é a documentação da história de uma mulher a qual foi atravessada por marcadores como gênero, raça e classe. Já os objetivos específicos, são sugerir futuras pesquisas acadêmicas ou de outros gêneros literários, a respeito da senhora Lozinha ou tia Ló, como era conhecida em Ipiaú e região. 

Do mesmo jeito, essa pesquisa inicial se propõe a chegar ao nome próprio da pesquisada, questiona-se, o porquê do apagamento do nome pessoal dela?

Seria resultado do sexismo, machismo e da misoginia que predominavam na época?

Pontuando que, a região era exponencialmente rica dirigida por uma minoria patriarcal rural cacauicultora capitalista do século XX, por outro lado, no município ipiauense havia muitas pessoas pobres. 

A Região cacaueira do Sul da Bahia é um dos espaços mais importantes da dinâmica capitalista, na qual se manifesta claramente a força do capital na construção de uma sociedade desigual, com acentuado desnível entre ricos e pobres, desmando do poder dos coronéis e agora, de forma mais contundente, do mercado.

O cacau foi considerado um produto símbolo para se conseguir riqueza, poder, ascensão social, política e econômica (BERTOl, 2008, p .51).       

Diante dos levantamentos dos relatos orais chegamos à “conclusão” que ela nasceu em Jitaúna-BA, entre as décadas 1930/40.

Ela e sua irmã Filhinha foram garotas de programa no antigo Dez Quarto, seguidamente deixaram de trabalharem com os seus corpos, e abriram suas próprias casas, ela saiu daquela localidade e abriu sua própria casa na Rua Jaime Tanajura.

Foi companheira de um cidadão de prenome Erotides, sua irmã mais conhecida era alendária Filinha, também dona de casa de mulheres, a outra irmã qual chegamos ao nome é a senhora Anita Q. S. Tia Ló faleceu nos primeiros anos de 1980? em Ipiaú-BA. 

Segundo a colaboradora de pseudônimo a cordelista, destaca que:

“Lozinha era uma mulher negra não retinta, Lozinha tinha o corpo de violão era de altura mediana, ela foi empregada doméstica, logo depois foi trabalhar como profissional do sexo em Jequié, se misturou com mulheres damas, eu não sei se ela era bonita ou  gostosa, devia ser, ela conheceu  um cara lá em Jequié deu condição para ela abrir a casa ali, era um puteiro chique, não que o lugar era chique, mas, é porque as pessoas que iam lá eram pessoas de nível privilegiados eram os coronéis da cidade”.     

A casa dela era a mais destacada da cidade, vinham profissionais do sexo de várias cidades, exemplo, Vitoria da Conquista, Jequié, Itabuna e de outros Estados como Pernambuco e Goiás” etc. 

Ela era seletiva, no brega dela só trabalhavam mulheres bonitas, seus principais clientes eram os coronéis, comerciantes, políticos e doutores da época. Lozinha era católica, mas, era proibida de frequentar a igreja de São Roque, o preconceito era muito grande naquela época, se as mulheres hoje em dia sofrem com os preconceitos de gêneros imaginem naquele tempo?”.    

Mediante o exposto, na casa de Lozinha havia uma exigência exponencial pelos corpos desejáveis, desse jeito, “mulheres de corpos não desejáveis” eram preteridas na casa dela, desse jeito, corpos obesos, magros, deficientes e trans não tinham lugar nesse espaço de prostituição. Por isso, vinham mulheres de várias localidades do Brasil, tudo isto, com objetivo de atender as demandas sexuais do patriarcado local, pontuando, que os homens proibiam suas filhas e esposas passarem na Rua Jaime Tanajura, diziam que mulheres direitas não podiam passar naquela localidade de pecado, contudo, eles eram frequentadores assíduos da casa de Tia Ló.

 Esse comportamento citado anteriormente, são provas inequívocas do sexismo e do machismo da época, violências que atravessaram muitas moças naquela época, muitas foram agredidas, exploradas e espoliadas sexualmente, seus corpos sofreram todas as formas de violências advindas da misoginia ocorrida naqueles tempos.

Muitas moças iam trabalhar com seus corpos, por necessidade econômicas, pontuando, que quando uma jovem, tinha relações intimas por vontade própria ou mesmo abusadas por algum rapaz, se não se cassassem, elas eram expulsas de suas casas pelas próprias famílias, em vista disso, muitas recorriam a prostituição como trabalho. A prostituição era e ainda é atividade violenta, é a violação dos corpos e da subjetividade das mulheres.                         

A casa de seu Olavo Barreto, Dona Helena, Zélia, Pimenta, Loro, Nice, Lorentino, Belinha, Reis, Preta, Milinha Pimenta, Bem-te-vi, Filinha (irmã de Lozinha) entre outros, permitiam que qualquer tipo de mulher a frequentasse, desde que, pagasse o quarto ao término da noite, no final da semana ou do mês. (Souza, 2007, p. 3). 

É importante dizer que essas casas de mulheres não foram abertas na mesma época. Algumas delas não chegaram nem a conhecer a casa de seu Olavo e de Lozinha. Pode-se relatar que dentre as casas de mulheres existentes na rua a mais requintada e frequentada pelos homens de classe média/alta era a de Lozinha. Ademais, na rua existia também divisão de classes. Essa divisão existiu, por causa da taxa cobrada pelos quartos pela proprietária da casa, isso impossibilitava que qualquer mulher se atrevesse a alugar os quartos, além disso, ela deixava claro que a “mercadoria” deveria ser de qualidade, por que os homens que frequentavam o seu estabelecimento eram coronéis, comerciantes, grandes proprietários entre outros da classe média e alta. (loc. cit.).

LOZINHA UMA MULHER ATRAVESADA POR FATORES SOCIAIS COMO GÊNERO, RAÇA E CLASSE. 

Lozinha era uma mulher preta não retinta, ela teve que enfrentar o racismo estrutural local, porém, mascarado pela falaciosa democracia racial, que estava em voga entre as décadas de 40 a 80 do século passado, para além do exposto, teve que enfrentar o sexismo e a pobreza, combinações violentas quais são dirigidas as todas mulheres, contudo, as principais vítimas historicamente são as mulheres pretas/pardas e indígenas, questiona-se, Lozinha foi vilã ou vítima desse processo histórico?

Como todo mito, o da democracia racial oculta algo para além daquilo que mostra. Numa primeira aproximação, constatamos que exerce sua violência simbólica de maneira especial sobre a mulher negra, pois o outro lado do endeusamento carnavalesco ocorre no cotidiano dessa mulher, no momento em que ela se transfigura na empregada doméstica. É por aí que a culpabilidade engendrada pelo seu endeusamento se exerce com fortes cargas de agressividade. É por aí, também, que se constata que os termos “mulata” e “doméstica” são atribuições de um mesmo sujeito. A nomeação vai depender da situação em que somos vistas (GONZALES,1980, p. 228).

RELATOS NA ÍNTEGRA DA COLOBORADORA 02 

Pontuando, que ela ajudou muitas mães solo, arrimo de famílias mulheres desempregadas, Lozinha gerou muita renda para o comercio local comprando alimentos, bebidas, cigarros, pagava policiais militares, para  a segurança de sua casa, com o intuito de oferecer maior segurança para os ilustres clientes, pagavam pessoas para fazer alguns serviços domésticos para seu comercio, lavar  roupas e carregar água, ela era uma grande empreendedora  de mão cheia, matou a fome de muitas pessoas oferecendo serviços, e fazendo doações para as crianças principalmente filhos/as de prostitutas.  A colaboradora, relata que: 

Quando faltava água aí, eu carregava água do Rio de Contas, com o filho de uma mulher por nome Anita, qual foi embora, a gente carregava cinquenta latas de água para encher o tanque, até hoje tem esse tanque aí, eu lavava roupa de ganho para sustentar meus sete filhos. Lozinha era uma excelente pagadora, de igual maneira, ela tinha muito cuidado com o sustento das moças que trabalhavam em sua casa.

Ela não quase deixava as moças saírem, ela tinha muito cuidado com elas, naquela época tinha respeito, elas viviam dentro de casa quase não saiam por aí, ela não deixava, porém, hoje em dia não tem mais respeito, as “mulheres casadas” andam quase nuas, as meninas me falavam que ela se encontrava com os homens da Maçonaria no alto da prefeitura, e que ela tinha um pacto com o diabo risos! Eu morava na batateira nesse tempo, e a Rua Jaime Tanajura era cheia de bregas, a casa de Filinha era quase em frente da casa da irmã.       

No tempo das festas de São Roque ela trazia muitas moças de longe principalmente de Vitoria da Conquista, tinha uma que eu nunca esqueci o nome, chamava Jucelina, ela tinha uma filha, ela ia na minha casa, aí a gente ficava conversando, elas levavam as roupas para eu lavar de ganho, na casa de Lozinha não era qualquer uma que andava lá, era cada mulher linda.                

Nesse sentido, questionamos se Lozinha na sua época tivesse acesso a uma boa escolaridade, um trabalho com melhores condições será que ela poderia ter tido uma história diferente?  Ela foi rotulada, estereotipada, explorada e espoliada por homens e, do mesmo modo, segregada do seio social, ela mesmo sendo católica, todavia, não podia frequentar as missas, uma pergunta a ser feita lugar de prostituta não é na igreja? Será que o padre da época e os demais fies desconheciam a passagem de João 8: 10, 11?

Endireitando-se Jesus, e não vendo ninguém mais do que a mulher, disse-lhe: Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou? E ela disse: Ninguém, Senhor. E disse-lhe Jesus: Nem eu também te condeno; vai-te, e não peques mais. (João 8:10,11). Como o presente é reflexo do passado, o questionamento que fica é se as igrejas continuam discriminado as prostituas, os homens gays, mulheres trans, homens trans, etc., acolhem as minorias ou discriminam os historicamente discriminados/as? 

Lozinha, a mais popular, conhecida por “Tia Ló”, que impôs uma ética na profissão, “fazendo escola”, recebeu a incumbência do Prefeito Euclides Neto para arregimentar belas profissionais do sexo a fim de atrair homens de negócios para a 1ª Exposição Agropecuária de Ipiaú, que resultou num estrondoso sucesso, influindo na economia local. Quando faleceu, entretanto, o padre da paróquia de Ipiaú não permitiu que o corpo da cristã (estigmatizada de “mulher da vida”), fosse velado na igreja, como era o seu desejo e costume entre os católicos da época (CASTRO, 1984).

Finalizando, não sabemos os motivos, porém, sequer, ela pôde documentar sua casa em seu nome, pontuando, que o documento do antigo imóvel dela, foi documentado em nome da irmã de prenome Anita, dificultado o acesso ao seu nome próprio, constituindo no apagamento da identidade da pessoa pesquisada em questão, desse jeito, dificultando a produção de um artigo cientifico.   

REFERÊNCIAS 

BERTOL ,Rocha, Lurdes.A região cacaueira da Bahia – dos coronéis à vassoura-de-bruxa :saga, percepção, representação / Lurdes Bertol Rocha. – Ilhéus :Editus, 2008. 255p. : il. ISBN: 978-85-7455-147-0.

CASTRO, José Américo da Matta. “Dez Quartos, um brega em decadência” in Jhttps://www.facebook.com/groups/338504442917569/search?q=lozinhaornal Rapatição, nº 12, dezembro/84. 

GONZALES, Lélia. RACISMO E SEXISMO NA CULTURA BRASILEIRA. In: Revista Ciênciqas Sociais Hoje, Anpocs, 1984, p. 223-244.

SILVA, Cristiane Souza. Histórico da Zona de Prostituição em Ipiaú: os Dez Quartos. Monografia do Curso de História. Faculdade Santo Agostinho – FACSA, Ipiaú, 2007. SOUZA, Cristiane. Lozinha/Capitulo%20de%20Lozinha.pdf


Veja mais notícias no Ipiaú Online e siga o Blog no Google Notícias


0
Web Design BangladeshWeb Design BangladeshMymensingh