Basta escrever agiota no campo de busca do Instagram para ter acesso a uma grande lista de supostos profissionais que oferecem serviço de empréstimo de dinheiro sem muita burocracia.
Agiota Sabrina, agiota Marcos, agiota João Pedro, agiota Bernardo, agiota Aline: teoricamente de cara limpa e muitas vezes com fotos produzidas, os “experts” compartilham imagens de viagens, carros de luxo, maços de dinheiro e momentos em família, muitas vezes na companhia de crianças.
Além disso, há centenas de propagandas promovendo o negócio, prints de transferências bancárias e vídeos de “clientes” agradecendo pelos serviços prestados. Vários deles têm milhares de seguidores.
“Trabalho sério e sem enrolação, liberação em até 30 minutos, sem consulta Serasa, sem burocracia, online, crédito para negativados, menores juros do mercado.”
O chamariz varia de perfil para perfil, mas os alvos são os mesmos: pessoas que precisam de crédito e não têm acesso aos meios legais, como bancos.
Na verdade, os perfis não são de agiotas, mas de golpistas. O g1 entrou em contato com a Secretaria da Segurança Pública (SSP), e o órgão informou que a Divisão de Crimes Cibernéticos (DCCIBER) do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) irá apurar a possível prática de crimes e identificar os responsáveis.
O perfil abaixo é um exemplo que reúne diversos elementos do golpe
1.Se passa por outra pessoa: conforme apuração do g1, a pessoa que tem a imagem usada pelo golpista é um empresário do ramo da odontologia (veja mais abaixo);
2.Prints de transferências bancárias: para chamar a atenção, o golpista tenta dar exemplos de trabalhos concluídos;
Foto com a família: para passar credibilidade à vítima, o golpista compartilha fotos do cotidiano;
3.Vídeo de “cliente”: “Boa tarde. Fiz um empréstimo com o João. Recomendo. Um cara de confiança. Paguei a taxa e estou com o dinheiro em mãos”, diz o rapaz;
4.Propaganda: o perfil é repleto de banners com publicidades para o negócio: “dinheiro sem sair de casa”, “já pensou ganhar 10 mil em até 30 minutos” etc.
Outra tática utilizada é se associar a figuras públicas
O mesmo perfil publicou uma foto em que o suposto agiota aparece ao lado do Delegado Palumbo, que atualmente é deputado federal pelo MDB-SP;
À época, o parlamentar era vereador na capital paulista e, segundo ele, “recebia todos que iam” ao seu gabinete; Ao g1, Palumbo disse que não é a primeira vez que utilizam sua imagem de forma indevida;
“Eu sou vítima, como já fui em outras vezes de pessoas usando minhas fotos, nome e imagem, inclusive se passando por mim. Para acabar com isso, só enrijecendo as leis. Estelionatários não ficam presos e comentem o mesmo delito várias vezes, causando prejuízo a diversas vítimas”, afirmou.
Apresentador de TV dos EUA ou ‘agiota Robson’ ?
Um dos perfis utiliza como imagem de perfil uma foto do apresentador de TV norte-americano Jessie Pavelka;
Pavelka tem mais de 90 mil seguidores no Instagram e, em seu site pessoal, diz ser internacionalmente reconhecido como um especialista em saúde e bem-estar;
O g1 contatou o apresentador, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.
Entenda como funciona o golpe
A fim de simular operações com os estelionatários, o g1 entrou em contato via WhatsApp com alguns deles. As estratégias utilizadas em cada um dos perfis são muito semelhantes entre si (veja exemplos abaixo).
A maioria dos DDDs dos telefones é o 11, que remete a cidades do estado de São Paulo, principalmente as da região metropolitana.
De forma direta, o golpista questiona sobre o valor desejado e apresenta uma tabela de valores;
Em seguida, informa que há um “seguro” a ser pago antes de o negócio ser fechado;
Os valores variam entre R$ 50 e R$ 400 — depende do valor solicitado pela vítima;
O estelionatário condiciona o depósito do valor pretendido ao pagamento da taxa.
No caso acima, o golpista que utiliza a foto do apresentador de TV dos EUA envia uma tabela em que os empréstimos disponíveis chegam a R$ 100 mil;
Para um empréstimo de até R$ 5 mil, por exemplo, o cliente deve pagar uma taxa de R$ 89;
Caso o valor solicitado seja acima de R$ 50 mil, o depósito prévio é de quase R$ 400.
Em seguida, a pessoa solicita dados que variam entre foto do RG, e-mail, chave Pix e até comprovante de residência;
No entanto, o estelionatário não apresenta nenhum tipo de contrato, mesmo que informalmente;
Não há garantia alguma de que o valor será enviado para a pessoa solicitante;
O g1 não seguiu adiante com nenhuma negociação para não compartilhar dados pessoais com desconhecidos;
No entanto, uma fonte na Polícia Civil do Estado de São Paulo informou ao g1 que toda a operação se trata de um caso típico de estelionato e que, assim que a vítima realiza o pagamento do “seguro”, é bloqueada pelo golpista.
‘Não realizo análise, é só ter seriedade’
Em outra simulação, o g1 solicitou R$ 2,5 mil de empréstimo;
Antes de iniciar a conversa, o golpista enviou algumas regras para o negócio;
Um dos itens garante: “o cliente apenas aguarda o prazo de 30 a 40 minutos [para ter] o valor em conta”;
Ele alega que o pagamento do seguro é necessário em razão da “grande taxa de inadimplência” por parte dos clientes;
“Caso o senhor ou a senhora não me pague, a seguradora cobre o prejuízo e me reembolsa”, explica ele.
Agiotagem é crime?
O g1 conversou com a advogada Lucie Antabi, especialista em direito penal econômico pela FGV, e com o advogado criminalista Daniel Bialski. Os dois foram categóricos: agiotagem é crime.
“Se a pessoa pede taxas abusivas, com juros excessivos e superiores ao permitido por lei, sem possuir uma empresa legalizada para tal fim, fugindo das regras, comete o crime do artigo 7º da lei 7.492 de 1986″, explicou Lucie.
É o crime de emitir, oferecer ou negociar, de qualquer modo, títulos ou valores mobiliários sem autorização prévia do órgão competente, que é o Banco Central do Brasil”, completou. A pena é de dois a oito anos de reclusão, além de multa.
A advogada, que atua no Damiani Sociedade de Advogados, também disse que a prática pode ser enquadrada no artigo 4º da lei é 1.521 de 1951, a Lei de Crimes Contra Economia Popular, que descreve o delito como sendo o ato de cobrar juros e outros tipos de taxas ou descontos superiores aos limites legais ou realizar contrato abusando da situação de necessidade de outra parte para obter o lucro excessivo. A pena é de seis meses a dois anos de detenção, além de multa.
“O desespero dessas pessoas faz com que elas procurem esses ‘agiotas’ para tentar um empréstimo, mas, na verdade, elas vão acabar caindo num golpe, porque esses estelionatários pedem esse dinheiro para poder criar um seguro-garantia e emprestar o dinheiro, mas, na verdade, eles vão receber o ‘seguro’ e sumir”, disse Bialski.
E o estelionato?
Já o estelionato está previsto no artigo 171 do Código Penal. O crime acontece quando alguém obtém vantagem ilícita em prejuízo das vítimas, seja induzindo ou mantendo alguém em erro mediante qualquer meio fraudulento. A pena é de um a cinco anos de reclusão e multa;
Neste caso, os golpistas fingem ser pessoas que não são, oferecem um serviço que não será fornecido e, no final, ganham dinheiro de forma fraudulenta.
‘Plataformas têm que se responsabilizar’
Segundo o advogado Daniel Bialski, as plataformas têm que se responsabilizar pelo fato de as vítimas estarem sendo alvo de golpes num ambiente teoricamente controlado.
“Elas têm que ser responsabilizadas por qualquer tipo de crime. Qualquer crime que aconteça na plataforma — seja um crime como esse, que as pessoas vão dar golpe, seja um crime de ofensa racial, seja um crime de pedofilia, qualquer tipo de coisa que que beira a marginalidade”, afirmou.
“A plataforma tem que ter seus próprios filtros para evitar. Sei que, em algumas situações, elas têm; outras, não. Mas eles têm que ser mais responsáveis por isso”, completou.
O que diz a Meta, empresa responsável pelo Instagram e WhatsApp
O g1 perguntou à Meta se a empresa tem conhecimento sobre a prática e se é comum liberar um nome de usuário com o nome popular de um crime (agiotagem).
Em nota, a Meta informou que atividades fraudulentas, que tenham como objetivo enganar, deturpar, cometer fraude ou explorar terceiros, não são permitidas na plataforma.
“Recomendamos que as pessoas denunciem quaisquer atividades suspeitas no Instagram através do próprio aplicativo”, diz o texto.
A empresa também compartilhou um tutorial de como denunciar conteúdos que possam estar violando as diretrizes do aplicativo:
Toque em “…” na parte superior direita da publicação;
Toque em “Denunciar”;
Siga as instruções na tela
“Ao denunciar uma conta ou publicação, suas informações não serão compartilhadas com a conta cuja publicação ou perfil você está denunciando”, informou.
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