Elson Andrade reflete sobre a crise da cacauicultura mundial com chocolates cada vez mais recheados de outros produtos

Reprodução: TV Brasil
A verdade sobre a derrocada sistêmica da cacauicultura mundial raiz diante de mais um anunciado triunfo dos “chocolates” fakes

O urbanista ipiauense arquiteto Elson Andrade nos traz nesta edição, um dos mais reveladores artigos sobre o verdadeiro motivo da derrocada da cacauicultura mundial. Revela: Nesta guerra, de um lado há a cacauicultura raiz da economia real.

Do outro, o cacau-futuro, “commoditie” especulativo que corre nas principais bolsas de mercadorias, em aposta de preços futuros, e ainda, as manobras das chocolateiras que reduzem o tamanho da embalagem dos tradicionais produtos, os quais estão cada vez mais recheados de doces, gorduras vegetal, açúcares, waffles, vazios e embalagens fantasiosas, para trapacear o consumidor cativo.

 Publicado originalmente pela Bloomberg, agência de noticia especializada em commodities e mercado financeiro, intitulado (traduzido) – A verdade por trás do colapso do chocolate, por Javier Blas – especialista em cacau em Bolsa de Valores.

Na noite em que aprendi, o que nunca havia sido dito de forma tão direta: – A verdade sobre o mercado do cacau…

Estive em Yamoussoukro, a colossal capital da Costa do Marfim. Foi quando ouvi de forma clara:

– “O problema do cacau é que ele é uma lavoura de pequenos e pobres”, explicou meu companheiro de jantar, um funcionário do governo que se tornou homem de negócios.

“Você vê alguma plantação comercial por aqui?

Não”, disse ele.

“E você sabe por quê?

Porque os preços não são altos o suficiente para sustentar isso.”

Isso porque milhões de agricultores da África Ocidental viam o cacau como sua única maneira de escapar da pobreza abjeta, o mundo tinha abundante oferta a preços baixos. Como resultado, você e eu temos gostado dos prazeres do chocolate “baratos” durante décadas.

Ao contrário da maioria dos outros produtos agrícolas, o cacau não se desenvolveu como um negócio de “plantation”.

Os preços vigentes desde a décadas de 1990 e 2000, simplesmente não faziam sentido comercial.

O dinheiro foi ganho negociando os grãos e processando-os em chocolate – e não plantar, cultivar e colher cacau real.

Hoje, a cultura ainda é predominantemente sustentada por pobres, pequenos proprietários. Apenas ganhando o suficiente para subsistir, a maioria não tem meios para reinvestir em seus lotes. E, surpreendentemente, as décadas de subinvestimento acompanharam a crescente procura de chocolate.

Pela terceira safra consecutiva, o consumo global em 2023-24 ultrapassará significativamente a produção global – algo nunca visto desde o início da década de 1960.

Estamos todos confrontados agora com a inevitável crise do chocolate. Disse.

No mundo das commodities, os recordes de preços caíram em todos os lugares, graças à industrialização da China. O cacau vem na contramão.

No final de 2023, o cacau era uma das quatro principais commodities que ainda eram negociados abaixo dos picos de preços estabelecidos na década de 1970, ao anterior boom de commodities.

Mas o recorde de 46 anos finalmente caiu este mês, quando o custo do cacau saltou em Nova York para mais de US$ 5.500 por tonelada.

A indústria está agora repleta de hipérboles, incluindo previsões de preços dobrando novamente para US$ 10.000 por tonelada.

Eu não acho que chegaremos esse patamar. Vale lembrar que o cacau, foi negociado há um ano por US$ 2.500, e que no ano 2000 ele mudou de mãos por apenas $ 650.

O que está a acontecendo agora na África Ocidental, será em breve sentido nos mercados, em todo o mundo.

Em uma teleconferência com investidores, em 8 de fevereiro de 2024, dia em que o preço do cacau ultrapassou o recorde anterior, Michele Buck, CEO do The Hershey Co., alertou sobre o que está por vir: – “Usaremos todas as ferramenta em nossa caixa de ferramentas, incluindo inferir nos preços, como forma de controlar os negócios.”

Embora a situação atual possa muito bem levar ao preço-fraude contra essa inflação no final da cadeia de abastecimento, a causa da crise reside no início da cadeia, no Ocidente da África. Lá, quatro países – Costa do Marfim, Gana, Camarões e Nigéria – produzem quase 75% do cacau mundial. Lá é o epicentro do furação.

Fonte: ICCO (2014)

O rei continua sendo a Costa do Marfim, que num ano normal produz 2 milhões de toneladas – em comparação com o consumo global de 5 milhões de toneladas. [40% da produção mundial, sozinha].

O pai do papel descomunal da nação no mundo da indústria de chocolates, é Félix Houphouët-Boigny, o agricultor de cacau que se tornou o primeiro presidente da Costa do Marfim após a independência da França. Sob seu governo, de 1960 até sua morte em 1993, ele transformou sua nação no maior produtor mundial, ultrapassando Gana. Apoiando-se nos preços elevados da década de 1970, ele usou o ouro marrom para remodelar o país, construindo uma nova capital — Yamoussoukro, incluindo uma réplica da Basílica de São Pedro do Vaticano – e por um tempo girando Abidjan, o centro comercial, na Manhattan da África Ocidental.

Houphouët-Boigny atraiu milhões de agricultores africanos com incentivos generosos, incluindo dando a propriedade da terra para quem plantasse mais cacaueiros. Nas últimas décadas, o mundo tem se beneficiado da enorme expansão da produção que ele desencadeou.

Na contramão, os preços baixos tiveram graves consequências. A última onda de plantação de cacau na África Ocidental ocorreu no início dos anos 2000, particularmente em torno do noroeste da Costa do Marfim. Esse cacau têm quase 25 anos, e já passou do seu auge.

O cultivo insustentável também se decompôs, com pouco uso de fertilizantes e pesticidas. Os velhos cacaueiros significaram dois problemas: rendimentos mais baixos e plantas particularmente vulneráveis às intempéries e às doenças. Ambos os fatores estão em jogo este ano – punindo os agricultores que estão perdendo a oportunidade dos preços recordes 2024.

Os mercados locais da Costa do Marfim e de Gana, estão estreitamente controlados pelos seus governos, que fixam os preços oficiais. Por vender a prazo, os funcionários garantem um controle de preço, mas isso também significa que os agricultores perdem muito com isso.

Para a safra 2023-24, os agricultores da Costa do Marfim estão recebendo 1.000 francos da África Central (US$ 1,63) por quilograma, cerca de 70% abaixo do preço atual de mercado, no atacado.

O resultado disso é uma lacuna brutal entre oferta e demanda. Até ao contabilizar o impacto de amortecimento dos preços elevados sobre consumo, o mercado caminha para um déficit de 300.000 a 500.000 toneladas, de acordo com as sondagens no setor.

Se confirmado, esse será o maior déficit, em pelo menos 65 anos – e provavelmente o maior de todos os tempos.

Com a demanda superando em muito a produção, os estoques cairá pelo terceiro ano consecutivo. Dentro da indústria, eu ouvi dizer que até o final da temporada, os estoques de cacau, medidos pelo rácio stock/consumo, poderá cair para apenas 25%, comparável aos mínimos históricos observados na década de 1970.

Considerando os atrasos no envio, isso significa que a indústria está funcionando praticamente sem nenhum estoque.

Corretores de cacau relatam que isso é quase impossível encontrar ofertas de cacau no momento – apesar do fato de Fevereiro marcar o pico da colheita, quando os armazéns nos portos da África Ocidental deveriam estar cheios.

O um outro lado do problema de abastecimento. Nos últimos 30 anos, a procura duplicou e apenas os preços, muito mais elevados, foi provavelmente o responsável por retardar a tendência.

Ainda assim, além dos EUA e da Europa, o consumo global per capita de chocolate permaneceu pequeno, criando novos mercados para expansão.

As soluções momentâneas são ilusórias. E o que os consumidores querem é entrar em conflito com as necessidades dos produtores. Todos, desde executivos de chocolate, até comerciantes de cacau, para organizações não-governamentais passou o 21º Século preocupado a oferta numa procura insustentável de equilíbrio. Quando falei com o meu interlocutor em Yamoussoukro – há mais de uma década, eu estava viajando pela Costa do Marfim documentando o problema do envelhecimento das cacaueiros e dos agricultores que procuram uma melhor modo de vida.

Durante todo esse tempo, os agricultores têm tido vacas leiteiras para todos os interesses e gostos, exceto, os seus próprios: na África, os governos tributaram o setor fortemente; comerciantes e a indústria de confeitaria tiveram mais amêndoas suficientes para manter os preços do chocolate acessíveis, expandindo suas vendas para uma classe crescente de amantes de doces; e em última análise os consumidores, que viram o chocolate se transformar de item de luxo em um deleite diário (embora de baixa qualidade – quase bombons de waffles).

Nem todos concordam que os preços atuais são um problema. Os agricultores fora da África Ocidental plantam para vender – e a capacidade de fazer os preços de mercado prevalecentes – estão a desfrutar de lucros inesperados invisível ás gerações.

Para quem está no Equador, Brasil, Indonésia e no Peru, a crise da África é uma bênção. Eles têm certeza de transformar o atual boom, em mais cacaueiros e esperança de lucro futuro. Será?

Mesmo na África Ocidental, as opiniões são mais matizadas. Enquanto os agricultores perderam o melhor momento do mercado de cacau de todos os tempos (2024), autoridades em Yamoussoukro incentivaram menos a expansão da plantação de novos cacaueiros, nesses últimos anos, para segurar os preços e parar o desmatamento.

Na próxima temporada, os preços ao produtor da Costa do Marfim deverão subir, dando aos agricultores, terem uma injeção de dinheiro momentânea. De muitas maneiras, a atual situação agradaria Houphouët-Boigny, que sonhava com um cartel do cacau no país, com a Costa do Marfim fixando o preço global.

Não estou convencido de que as alterações climáticas tenham algo a ver com o crise atual – apesar de muitos especialistas atribuírem o problema a ela.

As chuvas fora de época que prejudicaram a colheita são mais prováveis e está mais ligada ao fenómeno climático El Niño do que ao aquecimento global.

No entanto, está claro que um clima mais imprevisível no futuro, poderia ser outra desvantagem para o sector do cacau.

Para a indústria de confeitaria, os preços apresentam um impacto agudo no problema. Duvido que o setor consiga repassar por todos os níveis mais altos de custos, para os consumidores. Assim, as margens poderão cair e o crescimento da procura para o chocolate, diminua a velocidade ou até inverta, dado a qualidade consequente.

Os produtores de massa comercializar chocolate pensam na falta do cacau como uma dor de cabeça  e, por exemplo – sofreriam. Os consumidores, inevitavelmente, pagaria mais para ter chocolate?

A crise é necessária.

O mundo precisa de melhores preços para incentivar o replantio de milhões de cacaueiros antigos – e

cuidar melhor dos atuais. Se cada agricultor aplicasse um pouco mais de fertilizante e usasse pesticidas, à mão, a produção poderia se recuperar. Isso, se as necessidades projetadas de crescimento da demanda por chocolate, desacelerar, e não cair.

Claramente, os estoques globais de cacau não podem cair muito mais. Em última análise, o cacau é apenas mais um boom de mercadoria do fracasso. Nos próximos anos, as forças de mercado irão reequilibrar o mercado, mas todos devem se preparar para alguns anos de preços mais elevados dos chocolates, pelo menos.

 

Nota:

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Da redação: Elson Andrade – que é arquiteto, urbanista, empresário desenvolvimentista, pós-graduado pelo Instituto de Economia da Unicamp.


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