
Como o capitalismo financeiro dos EUA suga a riqueza da América Latina: Uma análise estrutural e didática do sistema em operação
O urbanista ipiauense arquiteto Elson Andrade analisa de forma didática-estrutural como o capitalismo financeiro americano vem atuando como mecanismo estrutural velado na apropriação da riqueza existente e gerada na nossa região. Por meio de uma metáfora teatral, destaca-se o papel das estruturas financeiras, contábeis, econômicas e políticas na concentração, apropriação e transferência de capital e via interdependência econômico-financeira dos países latino-americanos.
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As recentes turbulências no sistema bancário global, desde a falência do Silicon Valley Bank ao Credit Suisse, escancaram uma realidade raramente discutida nos círculos econômicos tradicionais: o capitalismo moderno não é apenas um sistema de produção e troca, mas, em sua essência, um sistema financeiro, baseado numa pirâmide de dívida… Aliás, que agora tenta implantar a tese: Too big to break, (Grande demais para quebrar).
Esta percepção, que ecoa o pensamento de Hyman Minsky, um economista por muito tempo marginal, mas cuja obra ganha crescente impacto, inverte a perspectiva convencional que trata o monetário e o financeiro como meros apêndices da economia real. A insatisfação com o ensino tradicional da economia monetária e financeira, muitas vezes preso a abstrações desprovidas de base histórica, impulsiona a necessidade de uma visão mais radical e pertinente ao mundo real….
Dinheiro e Dívida: As Amarras de uma Tecnologia Social
No cerne dessa compreensão está a noção de que o dinheiro não é uma bobagem para facilitar mercados, mas uma “tecnologia social” e um “sistema de ordenamento na sociedade”. Ele é, fundamentalmente, uma “criatura do Estado”, que determina o que serve como moeda e garante a liquidação irrevogável das dívidas. É essa obrigação de pagar dívidas em dia – a “restrição de sobrevivência” – que compulsoriamente nos integra a um sistema interconectado de débitos e créditos, do qual ninguém, exceto o Banco Central, está imune…. A sobrevivência, nesse contexto, não é apenas um termo abstrato, mas carrega a gravidade de uma penalidade que pode levar da multa à falência, ou à miséria para as famílias.
O sistema financeiro, então, opera como uma complexa “rede de dutos” ou “encanamentos”, composta por um sistema de pagamentos e um sistema de gestão de ativos. Nele, a volatilidade dos fluxos de caixa e a incerteza intrínseca ditam a necessidade de liquidez, que, por sua vez, não é inata, mas uma construção institucional provida por atores especializados que buscam maximizar o lucro.
A Instabilidade Inerente e a Socialização das Perdas: A Apropriação em Ato

A teoria de Minsky, a “Hipótese da Estabilidade Financeira”, revela que o sistema financeiro tende, inexoravelmente, à fragilidade. A busca incessante por lucro leva à deterioração dos balanços e à assunção de posições cada vez mais especulativas. Quando a crise se materializa – como o “Minsky Moment”, onde uma situação financeira complicada transborda em crise generalizada –, o Estado, para evitar o colapso sistêmico e a disfuncionalidade do sistema de pagamentos, intervém como “banco de bancos” e “market maker de última instância”.
Painel Histórico do Ambiente Jurídico o Qual Propiciou a Implantação de um Sistema Contábil-financeiro Estrutural Mediante Narrativa Política de Fundo
Essa intervenção, porém, opera em uma lógica perversa: o Estado opta por não aplicar as penalidades integrais da restrição de sobrevivência sobre os bancos de importância sistêmica (“grandes demais para falir”). Isso cria um efeito de “risco moral”, onde os bancos, cientes de que seus lucros são privatizados, mas seus prejuízos são socializados, são incentivados a tomar posições ainda mais arriscadas. A regulação financeira, por melhor que seja, muitas vezes se mostra inadequada, pois o mercado é criativo e inovador, constantemente driblando as regras. Assim, as perdas são
A Draga Global: Dólar e Bancos Centrais Subjugados na Periferia
Essa dinâmica de apropriação se projeta em escala global através da hegemonia do dólar americano. Diferente da visão funcionalista que atribui a hegemonia à mera concorrência entre moedas, a primazia do dólar foi imposta pelos Estados Unidos como vitoriosos da Segunda Guerra Mundial, “renegociada” em 1971 (o mundo subjugado de “surpresa” pelo dólar americano levou um calote, anunciado para todo o mundo num domingo à tarde), e hoje é mantida pelo uso do dólar como “bomba” em termos de poder estrutural… O sistema monetário global é, portanto, essencialmente americano, e o Banco Central dos EUA (Fed) é a única instituição que não está sujeita a uma restrição de sobrevivência externa.
Esta arquitetura hierárquica posiciona os países periféricos em uma situação de vulnerabilidade e “subjugação”. Seus bancos centrais, que na hierarquia monetária nacional se encontram no topo, são, no plano internacional, nós em uma rede controlada pelo dólar. A Simone Deus e Luiz Fernando de Paula ressaltam a importância de entender o sistema monetário-financeiro global e os sistemas dos países como “nódulos no sistema monetário americano”. Esses bancos centrais são forçados a intervir constantemente no mercado de câmbio para garantir a estabilidade doméstica, uma intervenção que se dá a reboque das condições ditadas pelo centro hegemônico.

A relação financeira centro-periferia, conforme destacado, “gera instabilidade na periferia”. Os bancos centrais da América Latina, nesse contexto, atuam como “portos” pelos quais a “draga mundial” do capitalismo financeiro carrega a riqueza. Sua autonomia é limitada pela necessidade de gerenciar as obrigações e fluxos em dólar, tornando-os instrumentos-chave na canalização de recursos e na gestão das crises que, como o COVID-19 demonstrou, deixam a todos mais frágeis, especialmente no contexto de aumento de taxas de juros.
Em suma, o que emerge dessa análise da economia financeira moderna é um sistema que, de forma radical, coloca o dinheiro e a dívida no centro da organização social. Um sistema propenso a crises, onde a intervenção estatal, embora necessária, perpetua um ciclo de socialização de perdas e privatização de lucros. E, no cenário global, essa apropriação é magnificada pela hegemonia do dólar, que impõe restrições e limites aos países periféricos, cujos bancos centrais se veem compelidos a operar em uma dinâmica que, em última instância, serve aos interesses dos detentores do poder financeiro global. É uma lente crítica que nos permite enxergar além das narrativas superficiais e compreender a verdadeira natureza da apropriação de riqueza no capitalismo financeiro contemporâneo.
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Da redação: Elson Andrade – que é arquiteto, urbanista, empresário desenvolvimentista, pós-graduado pelo Instituto de Economia da Unicamp.
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