As bolhas psicossociais e o individualismo entre os seres humanos no século XXI
O urbanista ipiauense arquiteto Elson Andrade nos traz nessa edição uma reflexão sobre o comportamento humano como seres que vivem dentro de bolhas psicossociais, dentro do arcabouço referencial teórico – o conceito de comunicação interpessoal não-verbal – também denominada de Proxêmica. Confira!

A interação humana é permeada por dimensões espaciais e sensoriais que determinam limites de aproximação, interação e segurança. Dentro desse arcabouço teórico, o conceito de Proxêmica, desenvolvido pelo antropólogo Edward T. Hall, destaca a importância da territorialidade nas relações interpessoais e na comunicação não verbal. Além disso, o avanço do individualismo, impulsionado pelo desenvolvimento de ciências como o Direito, pelo Capitalismo e pela Ascensão do Indivíduo na era moderna, tem redefinido as dinâmicas sociais e a percepção do espaço interpessoal.
Proxêmica e a dimensão oculta do espaço humano
Edward T. Hall foi um dos pioneiros na investigação do espaço como elemento central da comunicação interpessoal. Segundo ele, há uma dimensão oculta cultural que regula a forma como os indivíduos ocupam e percebem o espaço ao seu redor. Weil & Tompakow complementam essa perspectiva ao afirmar que a territorialidade organiza a densidade populacional e define os limites ideais para a convivência social pacífica.
Hall categorizou a territorialidade humana em quatro zonas espaciais distintas:
1) Distância íntima (15 a 50 cm): espaço reservado a pessoas próximas, permitindo contato direto e percepção sensorial detalhada, como temperatura corporal e respiração;
2) Distância pessoal (46 cm a 1,20 metros): típica de interações entre amigos e casais, possibilitando conversas à vontade sem gerar desconforto;
3) Distância social (1,20 a 3,60 metros): utilizada em relações profissionais e negociações impessoais; e
4) Distância pública (3,60 a 9 metros): zona que evita envolvimento pessoal direto, comum em palestras, discursos e ambientes institucionais.

Bolhas psicossociais: humanos versus leões
A territorialidade interpessoal não é exclusiva dos humanos. Animais sociais, como os leões, também operam dentro de bolhas psicossociais que regulam interações e organizam grupos. Essa delimitação espacial pode ser observada nas seguintes categorias:
Distância Íntima e Pessoal (até 1,2 m nos humanos)
Nos humanos, essa zona é destinada a indivíduos com vínculos estreitos, como familiares e parceiros. Um abraço ou aperto de mão são gestos naturais dentro desse espaço, mas a invasão por um estranho pode provocar desconforto ou hostilidade. Nos leões, a interação física fortalece laços dentro da alcateia. Contudo, um leão desconhecido que ultrapasse essa barreira é visto como ameaça e pode ser expulso com rugidos ou confrontos físicos.
Distância Social e Pública (acima de 1,2 m nos humanos)
Humanos utilizam essa zona para encontros casuais, eventos formais e interações impessoais. Violá-la sem aviso prévio pode ser interpretada como um ato invasivo ou desrespeitoso. Nos leões, essa barreira funciona como um divisor territorial. Um leão pode tolerar outro à distância, mas se um intruso ultrapassar esse limite, a reação geralmente envolve postura de alerta e, em casos extremos, confronto direto.
Territorialidade e conflitos: quando a invasão leva à agressividade
A violação da bolha psicossocial pode desencadear respostas defensivas tanto em humanos quanto em leões.
a) Nos humanos, o desconforto pode variar de tensão emocional até reações agressivas, especialmente em situações de assédio ou ameaças físicas;
b) Nos leões, ultrapassar a zona de segurança no território de caça ou próximo a fêmeas pode levar a ataques imediatos, onde o dominante defende seu espaço por meio de postura corporal ameaçadora e confrontos físicos.
Exacerbação do individualismo na era moderna
O avanço das ciências humanas e sociais, como o Direito, e a Consolidação do Capitalismo contribuíram para uma percepção cada vez mais centrada no indivíduo. Ao longo da história, a ascensão do individualismo esteve atrelada ao fortalecimento da ideia de propriedade privada, autonomia e autodeterminação, promovendo transformações significativas nas relações interpessoais.
No contexto jurídico, a noção de direitos individuais foi essencial para garantir liberdades e proteger o cidadão contra intervenções externas. No entanto, o fortalecimento dessas garantias também contribuiu para a valorização de espaços e territórios privados, reforçando a separação entre indivíduos e limitando interações espontâneas.
O capitalismo, por sua vez, impulsionou uma mentalidade de concorrência e eficiência, elevando o conceito de sucesso pessoal acima do coletivo. A busca por status, segurança financeira e propriedade reforçou a percepção do espaço individual como um elemento de proteção e distinção social.
Nas sociedades modernas, essa valorização extrema do indivíduo tem modificado a forma como nos relacionamos com o espaço e com os outros. Ambientes corporativos, cada vez mais compactos e impessoais, geram tensões sociais e conflitos interpessoais devido à percepção de invasão territorial. A redução das áreas comuns e o aumento da comunicação digital também intensificaram o isolamento, dificultando interações naturais e espontâneas entre as pessoas.
Reflexão: a territorialidade das bolhas psicossociais na sociedade contemporânea
A combinação entre a territorialidade humana e o individualismo moderno tem redefinido os paradigmas da convivência social. Nos centros urbanos e ambientes de trabalho, a invasão do espaço pessoal gera desafios de adaptação e exige estratégias para a promoção de interações mais harmoniosas.
Para mitigar os impactos desse fenômeno, é essencial fomentar um ambiente de diálogo e respeito às necessidades individuais, sem negligenciar a importância das conexões e interações sociais necessárias. A criação de espaços mais flexíveis e a valorização da inteligência emocional são passos fundamentais para garantir relações interpessoais equilibradas e produtivas.

Comparação entre o espaço físico e o “espaço” digital
A dinâmica das interações humanas no espaço físico é marcada por normas sociais e culturais que regulam comportamentos e garantem certo nível de privacidade. No entanto, ao transpor essas interações para o ambiente digital, observa-se um cenário distinto, no qual as barreiras que tradicionalmente protegiam a intimidade dos indivíduos são frequentemente desconsideradas.
Essa mudança evidencia desafios significativos, pois a ausência de fronteiras físicas no mundo digital exigem ainda mais atenção em novos meios e modos de exposição, de fácil descontrole da narrativa, da postura e posicionamentos no ambiente e valores interpessoais. Nesse contexto, a reflexão sobre o respeito à privacidade no espaço sociodigital torna-se essencial, exigindo uma análise crítica vigilante sobre como essas novas formas de interação impactam a vida dos indivíduos na era digital coletiva. Prova disto, é o flagrante que uma simples ligação telefônica via telefone celular, pode ser considerada uma invasão. Oximoro gritante, dado que inventamos esses aparelhos e meios modernos, para nos aproximar… os quais tem nos tornamos seres combativos, isolados e cada vez mais distantes um dos outros.
Em resumo
A territorialidade humana e a exacerbação do individualismo são fatores determinantes na nova organização das relações contemporâneas. Compreender a influência desses aspectos na comunicação interpessoal pode auxiliar na construção de ambientes mais saudáveis, minimizando conflitos e promovendo uma convivência social mais harmoniosa. No século XXI, adaptar-se a essas novas dinâmicas exige sensibilidade, planejamento e uma abordagem consciente das interações humanas.
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Da redação: Elson Andrade é arquiteto ipiauense urbanista, empresário
desenvolvimentista, pós-graduado pelo Instituto de Economia da Unicamp.
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