Egípcio e ipiauense, Constantino Telemaque deixa saudades e muitos amigos na terra que escolheu para viver

Falecido aos 87 anos no último dia 11,  egípcio naturalizado brasileiro Constantino Telemaque amava Ipiaú e nesta terra constituiu família.

Confira uma homenagem do IPIAÚ ONLINE em memória de um homem que deixou saudades por onde passou.

Sentado em uma cadeira na frente de casa, ele contemplava a vida. Sentia o vento acariciar seu rosto, o sol dourar as marcas esculpidas pelo tempo na sua pele, acompanhava os passos apressados dos mais impacientes e o caminhar vagaroso dos que, assim como ele, tinham urgência de viver, mas queriam aproveitar cada momento, como se degustassem aos poucos a comida saborosa, por pena de que ela acabasse.

Aos mais chegados que apareciam do lado, ele pedia que tomassem uma cadeira e colocassem ao seu lado para iniciar uma longa e marcante conversa.

Esse ritual tão corriqueiro de Seu Constantino terminou no dia 11 de agosto de 2021. Terminou não seria bem a palavra, pois segue na eternidade das nossas memórias. Apesar deste texto ter sido escrito por causa da morte dele, ele não é sobre morte. É sobre a vida muito bem vivida e apaixonada do Gordinho, apelido carinhosamente dado a ele pela família que ele escolheu ter ao lado e que, reciprocamente, também o escolheu.

Constantino Telemaque Scortsis nasceu no Cairo, capital do Egito, em 1934. Foi o filho primogênito de Telemaque Scortsis, maçom de alto escalão e militar do exército, e de Flora Scortsis, dona de casa que, nas horas vagas, usava de sua mediunidade para ler a sorte das pessoas através da borra de café.

Desde criança, foi um apaixonado pelos mistérios que existem entre o céu e a terra, e que o levariam a desenvolver mais tarde uma vida dedicada à espiritualidade, em um reencontro com os dons mediúnicos de sua mãe. Aluno esforçado, tornou-se um leitor assíduo, aprendeu a falar 5 idiomas e, ainda jovem, se filiou à Ordem Rosacruz.

Perdeu o pai muito cedo e se tornou o provedor da família, dividindo-se entre trabalho e estudos. Com o Egito mergulhado em conflitos, percebeu que talvez teria que deixar o país para concretizar seus sonhos. Em um momento de inspiração, decidiu ir à igreja de São Jorge, seu santo de devoção, e teve a intuição de que deveria vir para o Brasil. Desembarcou no país em 1959, na cidade paulista de Santos. Logo depois, conseguiu um emprego em São Paulo, onde se estabeleceu, conseguindo trazer toda a sua família para a cidade.

Apesar daquelas mudanças em sua vida, uma coisa nunca mudou para Constantino: sua busca incessante por conhecimento. Ele se encantou pelo esoterismo, fez cursos de reiki Tera Mai, Karuna Ki e Usui-tibetano, aperfeiçoando sua mediunidade, dom herdado de sua mãe. Com a morte de dona Flora, resolveu sair de São Paulo e vir para Feira de Santana, incentivado por amigos que conheceu em um grupo de radioamadores, assim que chegou ao Brasil.

Em 1979, a vida de Constantino, até aqui nada trivial, ganha um encontro amoroso digno de novela. Enquanto andava por uma rua em Salvador, ele se tromba com uma mulher e derruba o que ela levava na mão. Ao ajudá-la a tirar as coisas do chão, os dois trocam olhares, mas ficam apenas nisso. Seguem seus caminhos e suas vidas em frente.

Mas, como diz Alceu Valença, “ninguém foge do destino, esse trem que nos transporta”. Meses depois, Constantino reencontra aquela mesma mulher em Ipiaú, ao se hospedar no hotel dela. Dessa vez, os dois não ficaram apenas nos olhares, como em Salvador. Pelo contrário, Constantino e Izeirdes construíram uma relação de mais de 40 anos, a mais bonita que eu já tive a felicidade de ver. Com o casamento, vieram também quatro filhos e quatro netos, que assumiu como se dele fossem.

Junto com Zai, que sempre foi sua grande incentivadora na busca por conhecimento, Constantino ingressou na Seicho-no-ie, na qual foram dirigentes de práticas e cerimônias. Também ingressaram na Sociedade Brasileira de Eubiose, onde chegaram ao grau 4 de conhecimento.

Inquieto e criativo, Constantino também colocou em prática seu desejo de empreender. Começou com uma fábrica de confecções na Rua 7 de Setembro, empregando cinco mulheres que eram mães-solo. Junto com Zai, montou também uma fábrica de água sanitária, de biscoito, de shampoo e velas ornamentais e perfumadas. Depois, assumiu a direção do Hotel Aparecida com sua Amada. Nos negócios, Constantino sempre mostrou preocupação em dar oportunidades de emprego e formação para jovens de baixa renda, muitos deles vindos da Zona Rural.

Mas sua vocação para ajudar o outro foi além dos negócios. Constantino tinha uma habilidade incomum de curar com suas palavras. Tinha sempre a mais adequada para aplacar angústias, mazelas, dores. Acessava como poucos o pântano das nossas emoções. Assim como um rio que nunca tem as mesmas águas, conversar com ele era garantia de que alguém nunca sairia o mesmo daquela conversa.

Constantino tinha uma simplicidade e sofisticação raras, que certamente farão falta em um mundo tão brutalizado. Deve ter ficado um tanto decepcionado por não conseguir ficar mais tempo por aqui para acompanhar os avanços da ciência e o florescimento das novas gerações. Não era anacrônico, parado no tempo. Não era homem de nostalgias vulgares. Gostava do novo, sabia que é pra frente que se anda. Entendia que, como diz Gilberto Gil, o melhor lugar do mundo é aqui e agora.

Para quem aqui fica, permanece a sensação de que, como lembrou Caetano em “Oração ao Tempo”, ainda assim, acredito ser possível reunirmo-nos, num outro nível de vínculo. Seja pelas lembranças, pela espiritualidade ou, depois, em um mesmo plano. Tempo, tempo, tempo, tempo.

Bruno Luiz 

Jornalista e neto de Constantino


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