O juiz José Antônio Henrique da Silva, da 2ª Vara Criminal de Feira de Santana, será afastado das atividades por 90 dias, por decisão do Pleno do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA).
Ele responderá a um processo administrativo disciplinar por violar a Lei Orgânica da Magistratura (Lomam) por causar diversos problemas no Fórum de Feira de Santana. Por receio de delitos, o TJ ainda suspendeu o porte de armas do juiz e vai submetê-lo a um exame de sanidade mental. Segundo a sindicância, ele ameaçava servidores, colaboradores e até vendedores ambulantes. Ele ainda costumava mostrar a arma para intimidar as pessoas. A decisão de afastá-lo foi tomada na quarta-feira (24), em sessão plenária.
O juiz é acusado de um rosário de infrações disciplinares: problemas com audiências de custódia, assédio moral, porte de armas de fogo em público, desrespeito às determinações da administração do fórum, afronta às instituições públicas, injúrias e grosserias contra o Poder Judiciário, falta de cortesia com colegas, servidores e advogados, e até condução de audiência por Whatsapp. De acordo com a corregedora, a sindicância foi aberta contra o juiz no final de 2018. Desde dezembro, ele tem pedido diversas licenças médicas, tendo voltado a trabalhar há duas semanas. Por conta disso, a sindicância não tinha sido colocada para julgamento antes.
O advogado João Daniel Jacobina, que defende o magistrado, pediu para que ele não fosse afastado do cargo para não refletir na gestão da Justiça, pois a vara em que o juiz é titular tem 50 réus presos e um acervo de três mil processos. Com o afastamento, um substituto ficaria sobrecarregado com a demanda. Também afirma que o relatório foi entregue em dezembro, e que o julgamento acontece sete meses depois. Diz que, neste tempo, não houve nenhum fato novo contra José Henrique da Silva e também questionou se, de fato, as acusações ocorreram.
No voto da corregedora, ela relatou que, em novembro, o juiz realizou uma audiência de custódia, iniciando às 12h do dia 28, finalizando às 5h do dia 29. Nesse tempo, afirmou que não havia efetivo da polícia para fazer a segurança e não forneceu nenhuma alimentação aos agentes da portaria e outros colaboradores. Ele foi acusado de presidir uma audiência através do Whatsapp. Ao mesmo tempo que ele presidia uma audiência no foro por meio do seu celular, ele participava de uma reunião do Comitê Interinstitucional de Segurança Pública (CISP). O próprio magistrado admitiu o fato durante a reunião.
Foto: Google Street View
Outra acusação versa sobre ele ter falado com frequência que a Vara Criminal de Feira de Santana não funcionava, atacando o diretor do fórum, juiz Antônio Gomes de Oliveira Neto. Ele dizia que, quando se tornasse diretor, “as coisas seriam diferentes”. José Henrique foi acusado de dar ordens aos servidores sem autoridade para isso. O diretor do fórum afirmou que o magistrado determinou a retirada da divisória de madeira que separa a área reservada do salão do júri do auditório, pois, em suas palestras, “precisava andar de um lado para o outro, e a divisória atrapalharia”. Mesmo não tendo autoridade para isso, ordenou a mudança no local. Um policial militar contou que o sindicado disse que “mudaria o comando da PM” quando fosse diretor do fórum.
Na sindicância, foi dito que o juiz exigia dos agentes de portaria que ficassem até o final das audiências, e que em uma delas a sessão foi encerrada às 4h da manhã. Também exigia que os agentes fiscalizassem o estacionamento e não deixassem carros estacionarem, sendo uma orientação diversa à dada pela direção do fórum. Uma servidora também narrou que José Henrique queria, de qualquer modo, que as duas árvores na frente do fórum fossem retiradas e que fosse proibido o estacionamento de carros entre elas.
O juiz também foi acusado de praticar assédio moral contra servidores e colaboradores da unidade judicial. Ele sempre ordenava que os agentes não deixassem motoristas estacionarem no perímetro do foro, sob risco de demissão. Segundo o relato, quando deu essa ordem, “o juiz estava armado e manuseava a arma de uma mão para a outra.” Com isso, o servidor se sentiu intimidado, pensando até em abandonar o trabalho. José Henrique também teria obrigado as recepcionistas a recolher todos os bonés das pessoas que adentrassem ao foro. “Quando elas informaram que não tinham como controlar essa questão, foram ameaçadas de demissão”, relatou a corregedora. Ele chegou a expulsar uma senhora que vendia balas e um vendedor de caldo de cana, que ficavam embaixo de uma árvore próxima ao portão de entrada do foro.
“SINCERICÍDIO”
O juiz também foi acusado de fazer declarações públicas desrespeitosas ao TJ-BA. A um advogado, o sindicado afirmou que o Tribunal de Justiça da Bahia é um “dos piores do país” e que, em outro episódio, ao receber uma carta precatória de outra comarca, ligou para a juíza e perguntou a ela quantos anos tinha de magistratura. Em resposta à magistrada, ele disse: “bem-vinda à bagunça”. A um advogado, afirmou que ganhava R$ 30 mil por mês, que se aposentaria em cinco anos, e chamou todos os juízes baianos de “preguiçosos”, dizendo que não gostam de trabalhar. Já a um defensor público, o juiz teria dito que, no Estado da Bahia, “as coisas são feitas para dar errado” e classificou o TJ como um “faz de conta generalizado”. Em uma reunião do CIPS, com delegados, deputados, gestores municipais, promotores e defensores públicos, o juiz interrompeu a fala do capitão da PM e fez comentários depreciativos ao sistema Judiciário da Bahia. Ao criticar a desativação de comarcas, afirmou que o estado de Sergipe é organizado e pequeno. “Do que adianta ser grande, desorganizado e sem estrutura?”, questionou. Para Lisbete, a postura esperada de um magistrado em reunião com diversos segmentos era de defender “o aparelhamento estatal” e propor medidas para aperfeiçoá-lo.
FALTA DE URBANIDADE
A corregedora relatou que o juiz criticou professores de Direito, magistrados e advogados durante suas audiências. Em uma delas, ele olhou para o anel de formatura de um colega e disse que “isso era uma idiotice criada pela sociedade” e que, se fosse advogado, “não seria advogado de audiência de ‘custodiazinha’ não”. O advogado se revoltou e disse ao juiz que ele ganhava mais do que o magistrado para fazer aquela audiência. Com isso, José Henrique o expulsou da sala e declarou que a audiência dele seria a última do dia. No extenso voto, a relatora contou ainda que a mãe de um preso estava chorando do lado de fora da audiência com outro juiz. Ele saiu da sala e disse para a mulher calar a boca, “pois ali não era casa de família para ela ficar chorando por causa do bandido”. Ele também expulsou a mulher do fórum.
JUIZ PARCIAL
Ainda no voto, Lisbete Teixeira narrou que o sindicado, enquanto magistrado de Chorrochó, afastou o prefeito da cidade por contratar dois funcionários mortos. Mas o prefeito voltou ao cargo depois, através de eleição. Quando já não atuava mais na cidade, disse em uma entrevista que, se voltasse para a comarca, “afastaria novamente o prefeito”. Entretanto, dias antes dessa entrevista, procurou o assessor da Presidência do TJ-BA se oferecendo para voltar a atuar em Chorrochó. A corregedora considerou que José Henrique tentou “manipular” sua ida para a cidade para julgar novamente o prefeito.
RECEIO DE REITERAÇÃO
Para Lisbete Teixeira, o afastamento do cargo é necessário até o julgamento final do processo administrativo disciplina, porque as atitudes do juiz são preocupantes. “Ele sentou num banquinho, na calçada do Foro de Feira de Santana, e assistiu ao rapaz tirar a árvore que ele mandou cortar. Então é uma coisa da gente se preocupar”, declarou. Lisbete também declarou que a esposa do magistrado esteve em seu gabinete e falou dos problemas dele, inclusive que cogitou divórcio. O receio da corregedora é a possibilidade dele voltar a cometer os atos. Ela lembrou que ele já respondeu a outros processos administrativos, e em um deles a ação foi julgada procedente por unanimidade. “Nestes termos, diante do quadro probatório produzido, abrindo probabilidade de reiteração do cometimento de infrações disciplinares graves; e a fim de preservar a instrução processual, a manutenção da ordem administrativa na comarca de Feira de Santana, e a imagem do DCA, eu recomendo que seja proposto o afastamento do magistrado Antônio Henrique das suas funções pelo prazo inicial de 90 dias”, votou.
O pedido de suspensão do porte de armas do magistrado foi feito pelo desembargador Júlio Travessa, diante das ameaças reiteradas e tentativas de intimidação das pessoas que transitavam no fórum. O desembargador José Rotondano, indignado, afirmou que “não houve um único artigo do Código de Ética, nenhum artigo da Lomam que não tivesse sido violado”, e disse que ele tem “equilíbrio zero”. “Ele precisa se tratar urgentemente. Até pessoas do povo ele ameaçou. Ameaçou até um vendedor de caldo de cana”, reclamou. “Será que o tribunal vai esperar que o magistrado cometa um crime para adotar as providências necessárias?”. Para a desembargadora Ivete Caldas, o comportamento do juiz se amolda à de um “justiceiro” e há uma preocupação com a saúde mental do magistrado. Por isso, ela pediu o exame de sanidade mental para que ele continue no exercício da magistratura.
BN
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