A Bahia tem 1.90 médicos para cada mil habitantes, número bem abaixo dos 3.73 recomendados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O dado foi levantado pela Associação dos Mantenedores Independentes Educadores do Ensino Superior (Amies), com base no Censo 2022, Datasus do Ministério da Saúde (MS) e Ministério da Educação (MEC). Segundo o levantamento, as regiões Nortee Nordeste do país são as mais carentes de médicos.
O Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb) discorda que há poucos médicos no estado. Segundo a entidade, o problema é a má distribuição dos profissionais pelos 417 municípios baianos. Até 31 de julho deste ano, havia 32.612 médicos ativos na Bahia, de acordo com informações do Cremeb.
“Os que existem já seriam suficientes, caso houvesse condições de trabalho para que eles se distribuíssem melhor pelo estado; e contratos que garantissem ao médico alguma segurança”, afirma Otávio Marambaia, presidente do Conselho.
Os dados da Amies podem ser filtrados por estado, município e região de saúde, entre outros indicadores. Levando em conta o fator município, a reportagem filtrou a quantidade de médicos em atuação em Salvador e na Região Metropolitana. O resultado revela a disparidade na distribuição apontada pelo presidente do Cremeb.
Enquanto a capital tem um índice de 4.02 profissionais a cada mil habitantes, cidades da RMS como Lauro de Freitas e Simões Filhos, bem próximas de Salvador, têm, respectivamente, índices de 2,76 e 1.88 profissionais. O fenômeno, no entanto, pode ser explicado pelo fato de que essas cidades demandam pacientes para a própria capital, inclusive por conta da proximidade geográfica.
“Basicamente, não existe déficit de profissionais médicos no estado, o que existe é uma má distribuição. E a má distribuição se deve às condições ruins de trabalho, principalmente nas cidades do interior, e às condições contratuais para dar segurança de trabalho e de condição de vida aos médicos”, enfatiza Marambaia.
Programas federais como o Mais Médicos e o Médicos pelo Brasil buscam minimizar a carência de profissionais nas regiões mais remotas do país, mas de acordo com a Amies, seria preciso criar mais cursos de medicina ou abrir mais vagas nos cursos existentes para atender a demanda da população por assistência.
A reportagem entrou em contato com a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), via assessoria de imprensa, para saber quais medidas o governo estadual vem tomando para melhorar a distribuição de médicos pelos municípios baianos e qual seria a principal dificuldade em estimular os profissionais a atenderem no interior. Mas, até a publicação desta reportagem, a pasta não havia retornado com as respostas às perguntas enviadas. A Associação Bahiana de Medicina (ABM) também foi procurada, mas igualmente não retornou aos pedidos.
Formação profissional
Maranhão, no Nordeste, e Pará, na região Norte, são os estados com os menores índices de médicos por mil habitantes, conforme os dados do levantamento da Amies: 1.13 e 1.22, respectivamente. No ranking nordestino, a Bahia ficaria atrás do Ceará, com 1.95, e à frente do próprio Maranhão e do Piauí, com 1.40. Nas duas regiões, são mais de 71 milhões de habitantes para 130 mil médicos.
Faculdades de medicina do país tentam junto ao Ministério da Educação (MEC) a abertura de novos cursos e de novas vagas nas graduações já existentes nessas regiões. Somente no Nordeste, são 52 pedidos de criação de novos cursos e 32 pedidos de ampliação das vagas, segundo o advogado Esmeraldo Malheiros, especialista em direito educacional e consultor jurídico da Amies.
“Em abril de 2018, o MEC publicou a Portaria nº 328/2018 suspendendo por cinco anos a criação de novos cursos de medicina e o aumento de vagas em cursos já existentes. Diversas instituições de ensino, fundadas no direito de petição e na livre iniciativa no campo do ensino, assegurada no art. 209, II da CF [Constituição Federal], pleitearam ao MEC autorização para a implantação de cursos de medicina, tendo em vista a demonstração da demanda e da necessidade social do curso na região, bem como a carência de profissionais médicos e a existência de equipamentos públicos de saúde e de infraestrutura preparada exclusivamente para a oferta do referido curso, tais como laboratórios, corpo docente e biblioteca”, afirma Malheiros.
O advogado explica que o limite para a abertura de novos cursos ou novas vagas em medicina são os leitos do Sistema Único de Saúde (SUS), justamente porque é preciso ter um campo de prática e condições de manter o curso com infraestrutura para os estudantes. “A cada cinco leitos no SUS é gerada uma nova vaga de curso de medicina. Temos, atualmente, uma média de 42 a 43 mil vagas no Brasil. Mas, diante do número de leitos, haveria espaço de expansão para até 52 a 54 mil vagas”, acrescenta Esmeraldo Malheiros.
Os leitos no SUS servem para que o aluno possa praticar através de uma contrapartida das faculdades privadas com a prestação de serviços à comunidade. De acordo com a argumentação da Amies, além da ampliação do atendimento, a abertura de mais vagas e cursos também reduziria o custo da formação para os estudantes.
“O ticket médio de um curso de medicina varia de R$12 a R$16 mil por mês, com a abertura de novas vagas, esse ticket médio também cairia para um patamar de R$8 a R$9 mil”, complementa o consultor jurídico.
Para o presidente do Cremeb, as principais dificuldades do exercício da medicina no interior do estado seriam as condições físicas precárias. “E as condições de suporte para o trabalho médico, que envolve além da estrutura física, a estrutura de equipe de saúde, porque, obviamente, sozinho o médico não vai resolver o problema da saúde. Também, nessas dificuldades, o pagamento e o contrato justo, para que o médico vá e se desloque para as localidades onde tenha ainda um número rarefeito de profissionais”, pontua Otávio Marambaia.
Já sobre a formação de novos médicos, o presidente do Cremeb não acredita que ampliar os cursos ou vagas seja a solução e sim melhorar a qualidade dos que já existem. “A estrutura pedagógica é deficiente, muitas vezes com profissionais que não são médicos e que estão ocupando lugares de médicos professores. A formação de docentes médicos não é rápida a ponto de suprir a quantidade de faculdades que surgiram nos últimos anos”, analisa.
Atendimento regional
A Amies ressalta que o MEC aplica requisitos de relevância e necessidade social para a abertura de novas vagas ou novos cursos de medicina, mas que a pasta leva em consideração o pedido para a cidade que está pleiteando abrir a faculdade ou ampliar as vagas, em vez de levar em consideração as regiões de saúde.
“O Ministério da Saúde trabalha com base em regiões de saúde para estabelecer as políticas do SUS. Mas há algumas disparidades em que na capital do estado você pode ter um percentual compatível de vagas, mas nas cidades vizinhas, que fazem parte da mesma região de saúde, você pode ter uma quantidade de médicos insuficiente para atender a população, o que vai gerar uma sobrecarga nessas capitais ou cidades pólo”, argumenta Esmeraldo Malheiros.
Segundo o advogado, programas como o Mais Médicos utilizam os dados das regiões de saúde para estabelecer a distribuição dos profissionais no programa. Mas o MEC utiliza o indicador da cidade que vai sediar o curso em vez dos indicadores da região de saúde que irão gerar demanda para aquela cidade.
“Uma cidade pequena vai demandar mais daquela cidade que concentra os recursos, porque é onde vai ter equipamentos, hospitais, equipes, postos. Então é um retrocesso social determinar o número de vagas apenas pela quantidade de médicos que existem na cidade que vai sediar a faculdade. O ideal é que as vagas favoreçam a região toda”.
Malheiros ainda argumenta que o MEC está usando o indicador de número de leitos do SUS de fevereiro de 2024 para julgar os processos de pedido de novas vagas. “Mas esses processos estão sendo analisados agora e nós pleiteamos que eles sejam analisados com base nos leitos disponíveis na data da análise e não com um dado de fevereiro 2024, porque isso gera uma distorção”, adverte.
A reportagem questionou o MEC sobre quantos leitos do SUS existiam ativos no Brasil até julho deste ano, mas a pasta não retornou o pedido e nem comentou os dados apontados pela Amies. Em comunicado de abril deste ano, o Conselho Federal de Medicina (CFM) afirmou que, nos últimos 13 anos, cinco leitos do SUS foram fechados por dia no Brasil.
Ainda conforme o levantamento divulgado em abril pelo CFM, em 2010 o país dispunha de 335 mil leitos públicos para quem precisava de internação ao menos por 24 horas. Já em 2023, a quantidade baixou para 309 mil, uma redução de 8%. Além disso, um a cada três leitos de internação do SUS se encontram nas capitais. Para chegar aos dados, o CFM utilizou o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), mantido pelo Ministério da Saúde.
Dois mil profissionais do Mais Médicos escolheram o Nordeste em edital
O novo edital do Mais Médicos abriu 3.100 vagas para todo o país e, segundo informações do Ministério da Saúde (MS), 246 delas eram destinadas ao estado da Bahia. Dos mais de 10 mil inscritos para o 39º ciclo do programa federal, ao menos dois mil profissionais optaram em atuar na região Nordeste.
Além disso, esse edital contemplou o atendimento de saúde para a população indígena com 40 vagas, das quais cinco foram para a Bahia. Ainda segundo o MS, o resultado preliminar da seleção já pode ser consultado no site do Mais Médicos (maismedicos.gov.br) e a fase para a interposição de recursos já está aberta. O resultado final da seleção será divulgado no próximo dia 12.
O aumento do quadro de profissionais na rede pública de saúde com o novo edital vai beneficiar mais de 10,6 milhões de brasileiros, estima o Ministério da Saúde. O 39º ciclo do programa disponibilizou, ao todo, 196 vagas em 32 Distritos Sanitários Especiais de Saúde Indígena (Dseis). E contou também com um sistema de cotas para médicos indígenas, negros, quilombolas e PCDs (pessoas com deficiência).
O Mais Médicos é um conjunto de ações do governo federal, juntamente com estados e municípios, para fortalecer a Atenção Primária à Saúde e é considerada a porta de entrada preferencial do Sistema Único de Saúde (SUS). Além de levar médicos para as regiões do país onde há mais escassez ou ausência de profissionais, o programa prevê a reorganização da oferta de novas vagas de graduação e residência médica.
No ano passado, o programa expandiu a participação de médicos. Além das equipes de Saúde da Família (atenção primária), passou a integrar profissionais também no atendimento à população privada de liberdade e pessoas em situação de rua, com as equipes de Consultório na Rua.
Ainda conforme dados do MS, o número de profissionais em atuação a partir de programas federais, no país, até maio deste ano, era de 25.337, sendo 20.890 (82,4%) do Mais Médicos e 4.447 (17,6%) do Médicos pelo Brasil. O potencial é esse contingente chegar aos 28 mil médicos com o novo edital.
A reportagem solicitou à Secretaria Estadual da Saúde (Sesab), dados sobre quantos profissionais atuam na Bahia via programas federais como o Mais Médicos, mas o órgão não respondeu aos questionamentos até a publicação desta reportagem.
A Tarde
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