Uma menina de 14 anos, moradora de Guarulhos, na Grande São Paulo, precisou viajar até Salvador para conseguir realizar um aborto após ser estuprada pelo marido da sua vó. A história foi contada nesta quarta-feira, 19, pela Folha de São Paulo.
A mãe, uma mulher de 30 anos, só descobriu que a filha havia sido estuprada quando notou o aumento do volume abdominal. “Mãe, tem alguma coisa mexendo na minha barriga”, disse a menina, à época com 14 anos.
A gestação da menina foi interrompida com 31 semanas, seguindo a legislação atual que não restringe a idade gestacional do feto no momento do aborto. Na Câmara dos Deputados está tramitando o PL Antiaborto por Estupro, que propõe a criminalização do aborto após a 22 semanas de gestação para vítimas de estupro. Após a repercussão negativa, a urgência da tramitação foi retirada.
Dificuldades em São Paulo
Conforme o relato da mãe, a sua filha mais velha sempre ia passar o fim de semana na casa da vó, que tinha um marido com quem mantinha um relacionamento há mais de 15 anos.
“Minha filha nunca se queixou de nada, mas, de repente, mudou de comportamento. Ela sempre foi uma menina amorosa. Com 14 anos, ainda brincava de boneca com a irmã menor, cuidava do caçula. Nunca foi a baladas, não bebe, não fuma e sai sozinha. É uma menina de casa mesmo. De repente, ela se fechou, ficou grosseira, gritava, parecia outra pessoa. Eu tentava conversar com ela, saber o que estava acontecendo, mas ela me evitava. Como ela sempre usava roupas largas, camisetonas, demorei a perceber mudanças no corpo dela”, relatou.
A descoberta só aconteceu em novembro do ano passado, quando a mãe desconfiou de uma possível gravidez. Confrontada, a menina contou que meses antes tinha sido abusada pelo marido da vó. O criminoso cometeu o ato quando a vó da menina saiu pra trabalhar. Além disso, ele ameaçou matar as duas caso ela contasse sobre o abuso.
“No dia que descobri, fui até a casa da minha mãe e contei para ela. Minha mãe, que tem problema de coração, desmaiou na hora. O criminoso já tinha saído da casa da minha mãe e levado as coisas dele. No mesmo dia, ele ligou para minha mãe, confessou tudo, pediu desculpas, disse que ia se entregar. Mas, claro, sumiu.”
A mãe abriu um boletim de ocorrência e foi encaminhada ao Hospital da Mulher. A menina fez exame de sangue, ultrassom, tomou o coquetel anti-Aids, mas o aborto foi negado por conta de resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) que restringe abortos legais de gravidezes acima de 22 semanas resultantes de estupro. A resolução é divergente da legislação brasileira.
No Hospital Vila Nova Cachoeirinha, o procedimento chegou a ser autorizado, mas antes disso, a Prefeitura de São Paulo fechou o serviço de aborto legal na unidade médica.
“Foi marcada a cirurgia. Tínhamos comprado tudo, arrumado a mala, quando ligaram do hospital cancelando. Marcaram mais duas vezes e cancelaram. Ficamos desesperadas. Procuramos a assistente social e soubemos que poderíamos fazer o procedimento em Salvador, na Bahia”, contou.
A decisão de seguir para Salvador foi instantânea, e mãe e filha ficaram por dois dias e cinco horas na estrada, contando com auxílio financeiro da família. “Quando chegamos à rodoviária de Salvador, pegamos um Uber e fomos para o hospital. A assistente social voltou a conversar com minha filha, perguntou se ela queria mesmo fazer o aborto e ela disse que sim, que não aguentava mais a situação. Ela já estava com 31 semanas. Era início de dezembro.”
>> Lula chama de ‘insanidade’ projeto que compara aborto a homicídio
A mãe relatou ter sido bem atendida e acolhida em um momento díficil para a filha. “Ela viu [o feto] saindo e disse: ‘olha mãe, o nenê tem o cabelo preto igual ao meu’. Aquilo cortou muito o meu coração. Eu não queria ter feito isso, ela também não…Eu disse: ‘minha filha, o bebê não tem culpa, você não tem culpa, eu não tenho culpa, quem tem culpa é o criminoso'”.
Após o relato, a mãe da vítima criticou o PL Antiaborto por Estupro. “Querem culpar a vítima de estupro e não vão atrás de quem faz esses absurdos com crianças e adolescentes. Dá uma revolta muito grande dessas pessoas que só sabem apontar o dedo, não fazem ideia o que essas crianças e suas famílias estão enfrentando.”
De acordo com a mãe da vítima, o criminoso segue livre e a menina ainda não foi ouvida em audiência. A adolescente está passando pelo psicólogo do SUS todo mês, e é acompanhada também pelo Conselho Tutelar.
A Tarde
Veja mais notícias no Ipiaú Online e siga o Blog no Google Notícias