A ‘Cepa América’ está entre nós? Confira o que já se sabe sobre nova variante

 


Linhagem inédita foi detectada em delegações estrangeiras da Copa América e é considerada uma variante de ‘interesse’

Quando os críticos da realização da Copa América no Brasil batizaram o torneio de ‘Cepa América’, havia uma espécie de torcida para que o apelido não se concretizasse. Mas acabou acontecendo: após a derrota do Brasil para a Argentina, a última semana trouxe a notícia de que o evento de fato introduziu uma nova variante do coronavírus por aqui.

Trata-se da chamada B.1.621, uma cepa colombiana que foi oficialmente detectada através do sequenciamento genético de dois homens integrantes das delegações do Equador e da Colômbia. Eles estavam em Cuiabá (MT), uma das cidades que sediou as partidas, mas as amostras foram analisadas pelo Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo.

“O primeiro ponto de alarme é que é uma variante de interesse, que tem algumas características genéticas que favorecem um pouco mais de transmissibilidade e um pouco de escape do nosso sistema imune. Ela não circulava em nosso país e, por causa de um evento multinacional, acabou sendo detectada aqui”, explica o biólogo Ricardo Khouri, professor da Faculdade de Medicina da Ufba e pesquisador da Rede Covida e da Rede Genômica da Fiocruz.

A Copa América, que teve início em junho, enfrentava polêmicas e resistências mesmo antes de começar justamente pela pandemia. Inicialmente, o torneio deveria ter acontecido em 2020, mas foi adiado pela crise sanitária. Austrália e Qatar, países convidados, já tinham desistido de vir ao continente.

Este ano, Argentina e Colômbia deveriam dividir a responsabilidade de serem as anfitriãs, mas, em maio, os dois países desistiram. Na Colômbia, a tensão social, com protestos contra o governo local, levou ao cancelamento do evento. Dias depois, a Argentina se negou a hospedar o torneio devido ao recrudescimento da pandemia no país, com o aumento do número de infectados.

Preocupação
Mas, afinal, quais são os riscos dessa linhagem inédita? O primeiro registro dessa variante é do dia 11 de janeiro, na Colômbia. Além do país vizinho, ela também tem ocorrências relevantes em países como Estados Unidos, Espanha, México e Holanda.

Essa cepa é considerada uma variante “de alerta” pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A entidade classifica as cepas do coronavírus entre variantes de preocupação – como a gama, que surgiu em Manaus, e a delta, que teve origem na Índia -; como variantes de interesse, como a lambda, do Peru, e variantes de alerta.

É como se, na hierarquia das linhagens que merecem atenção, as de preocupação fossem as primeiras e as de alerta ficassem em terceiro lugar. Pela própria definição da OMS, o alerta indica que se trata de uma variante com mutações genéticas que podem indicar riscos futuros, mas cujas evidências ainda não são totalmente conhecidas. Daí a necessidade de monitoramento constante.

Enquanto isso, o Centro Europeu de Controle e Prevenção de Doenças (ECDC) já a classifica como uma variante de interesse – ou seja, o segundo nível mais preocupante. Segundo o órgão, quando uma cepa está nesse grupo, é porque já existem evidências que revelam impacto significativo na transmissibilidade ou na gravidade dos casos.

“O que deve ser feito em termos de vigilância desses casos é acompanhar todos os contactantes dessas pessoas por um período que garanta que elas não tenham desenvolvido nenhuma forma do Sars-cov-2”, explica o pesquisador Ricardo Khouri.

Assim, com a vigilância genômica, a cadeia de transmissão seria fechada e daria para garantir que essas foram as únicas entradas da variante colombiana aqui, sem provocar mais casos.

Na Bahia
Até o momento, não há registros, nem suspeitas de que a nova cepa importada circule na Bahia. De acordo com a diretora do Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen) Gonçalo Moniz, Arabela Leal, contudo, o estado continua com o trabalho de vigilância genômica.

O Lacen é um dos quatro laboratórios de referência de um projeto do Ministério da Saúde que faz o sequenciamento de amostras de todo o Brasil. Além da Bahia, o centro recebe genomas de outros estados do Nordeste.

“Nós acompanhamos a chegada de navios com pacientes com quadros positivos, óbitos com perfil hospitalar com alguma variação e também amostras aleatórias. Nossa vigilância é contínua”, diz ela, citando sete boletins divulgados após 368 amostras terem sido sequenciadas pelo Lacen na Bahia.

Para ela, não é possível dimensionar ainda os riscos que essa variante colombiana poderia trazer para a Bahia. “O mais importante para a população é manter os cuidados que a gente já conhece. Não é só a variante colombiana. Já detectamos uma peruana e, por isso, a vigilância. Mas para saber como uma linhagem vai se comportar em nosso estado, temos que acompanhar, se é que ela vai entrar”, reforça, citando o caso de um tripulante de navio diagnosticado em fevereiro, em Salvador.

Nem mesmo a variante delta, que tem provocado aumento do número de casos de covid-19 em países da Europa e da Ásia, foi detectada no estado ainda.

“Como já se começa a falar de transmissão comunitária da delta em outros estados, nossa atenção aumenta. Mas para saber o comportamento de uma cepa em determinada região, temos que aguardar”, completa. A transmissão comunitária foi confirmada em São Paulo e no Rio de Janeiro na última quinta-feira (15).

Predomínio
Desde março, a Bahia tem o mesmo cenário do Brasil: uma dominância indiscutível da variante gama, também conhecida como P1, que surgiu em Manaus. “Quando surgiu a variante P1, a gente já tinha identificado a P2, que estava se distribuindo com facilidade no país em relação às outras. Em pouco mais de três meses, a P1 ocupou todo o território nacional, inclusive sobrepondo à P2”, diz o pesquisador Ricardo Khouri.

A P2, que hoje é classificada como variante de interesse, teve origem no Rio de Janeiro. No entanto, a P1/gama, responde por cerca de 80% das infecções no Brasil.

Essa seria uma das possíveis razões para outras cepas de preocupação, como a Alfa (inglesa), não terem ocupado mais espaço aqui, apesar de haver transmissão comunitária.

“Quando a P1 surge, o território nacional estava infestado com diversas outras. Mesmo assim, ela conseguiu dominar. Se você tem variantes com o mesmo peso, dificilmente as duas vão se expandir com a mesma agressividade”, diz Khouri. Na Inglaterra, a cepa brasileira também não fez o mesmo estrago que aqui.

No momento, cientistas de todo o mundo estão com as atenções voltadas para a variante delta. De fato, ela pode ser responsável por surtos em países com vacinação avançada, como o Reino Unido. “A forma da delta é mais agressiva e transmissível, mas não quer dizer que o nosso problema aqui seja bom ou fácil de resolver”, reforça.

De forma geral, as vacinas disponíveis contra a covid-19 têm boa proteção contra as novas variantes e são consideradas excelentes contra quadros graves e óbitos. Mesmo em locais onde tem havido surtos recentes provocados por ela, a curva de óbitos não tem subido. “Na Inglaterra, o número de óbitos tem sido praticamente zero. Mas a gente não pode dar a chance a uma variante que que acabe realmente com o efeito da vacina”, diz.

Correio


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