Prefeituras baianas são investigadas por fraude e superfaturamento em compra de testes rápidos de Covid-19

Marcelo Camargo / Agência Brasil

Prefeituras de Serrinha e Coração de Maria entraram na mira da CGU devido a indícios de fraude e superfaturamentos na compra de testes rápidos de Covid-19 | Bnews – Divulgação Marcelo Camargo / Agência Brasil

As prefeituras de Serrinha, no Nordeste baiano, e Coração de Maria, no Centro-norte da Bahia, entraram na mira da Controladoria-Geral da União (CGU) devido a indícios de fraude e superfaturamentos na compra de testes rápidos para o diagnóstico de Covid-19, em 2020, como cumprimento de medidas de prevenção e controle para enfrentamento da pandemia.

O site BNews teve acesso, com exclusividade, a relatórios da CGU que apontam as irregularidades. De acordo com os documentos, a prefeitura de Serrinha — já sob a gestão do atual prefeito Adriano Lima (PP) — formalizou uma dispensa de licitação (DL nº 063/2020) para compra de 5 mil testes rápidos de Covid-19.

Sediada em Salvador, a vencedora foi a MD Material Hospitalar, que tem como atividade principal o comércio atacadista de medicamentos e drogas de uso humano. Esta mesma empresa, especificamente em 2020 — durante o auge da pandemia de Covid-19 —, firmou contratos que somam mais de R$ 3,2 milhões somente com o município de Serrinha.

Em relação aos testes rápidos de Covid-19, a MD Material Hospitalar ofertou produtos da marca Medlevensohn pelo valor unitário de R$ 160,00 — um total de R$ 800 mil.

No entanto, a CGU comparou os preços praticados pelas prefeituras no mês de maio de 2020 — sob as mesmas condições pandêmicas — e percebeu que a mediana foi de R$ 143,75. Ou seja, foi constatada uma diferença de R$ 16,25 por unidade, representando um sobrepreço de 11,30% — o equivalente a R$ 81.250,00.

A mediana foi usada como parâmetro por ser a “tendência estatística menos afetada por valores extremos, seja para mais ou para menos”, de acordo com a Controladoria-Geral da União. O órgão afirmou entender a situação atípica gerada pela pandemia, mas pontuou que a prefeitura não pode se eximir das responsabilidades em relação ao sobrepreço.

Fraude em Serrinha

Outro detalhe que chamou atenção da CGU foram os indícios de fraudes no processo de contratação dos testes rápidos de Covid-19, uma vez que não existe comprovação documental de envio e recebimento de cotações para a aquisição dos materiais

Além disso, também não há registro da realização da apresentação de documentos de tramitação administrativa de envio e de recebimento de propostas junto às empresas participantes — ambas irregularidades ferem a Lei 13.979/2020 que estabelece as diretrizes de enfrentamento à pandemia.

Inclusive, as demais empresas que estavam concorrendo com a MD Material Hospitalar possuem sede em municípios distantes de Serrinha — Bem Estar (São Paulo) e EAB Diagnósticos e Prevenção à Saúde (Jundiaí) — e não há registro de contratações anteriores com nenhum município baiano.

O órgão apontou que o “procedimento padrão” que a prefeitura de Serrinha deveria adotar seria priorizar a busca por empresas de ramo compatível e histórico de comercialização no mercado regional como forma de ampliar a competição e o alcance de preços mais justos — o que não foi feito e resultou na contratação de preços acima da média de mercado.

“Injustificadamente, a prefeitura de Serrinha optou por aumentar o grau de incerteza da contratação, realizando sua busca no mercado por duas empresas sem histórico de contratações com as prefeituras do Estado da Bahia. Essa decisão limitou a competição para aquisição de testes rápidos e resultou na contratação de preços acima da média de mercado”, dizia um trecho do relatório da CGU.

Fraude em Coração de Maria

O caso em Coração de Maria foi ainda mais grave. A partir de coincidências observadas em dispensas de licitação feitas pela gestão municipal — à época liderada por Paim da Farmácia (PT) —, a CGU coletou evidências de proximidade de relação entre as empresas participantes, com indícios de simulação de competição com o objetivo de favorecer a empresa G Apoio e Gestão Gerencial, vencedora do processo.

Para adquirir 5.600 testes rápidos de Covid-19, a prefeitura elaborou duas dispensas de licitação (DL nº 018/2020 e DL nº 027/2020) que previam a compra de 2.500 testes e, logo em seguida, mais 3.100 testes— nos valores de R$ 147.500,00 e R$ 179.800,00, respectivamente.

No entanto, não foi encontrado nenhum documento de habilitação da empresa vencedora ou sequer alguma prova — como ofício, e-mail, fax, por exemplo — que comprovasse que a prefeitura de Coração de Maria fez algum tipo de consulta.

Além disso, novamente nenhuma das empresas concorrentes possuía histórico de comercialização anterior com municípios baianos. A CGU também apontou que a prefeitura de Coração de Maria não conseguiu comprovar a entrega da primeira remessa de 2.500 testes rápidos.

Também foi observado que, das três empresas que participaram do processo, duas tinham nome parecido — a vencedora, G Apoio e Gestão Gerencial, e a G. Silva Apoio e Gestão Gerencial —, ambas com sede em Feira de Santana, no Centro-norte baiano, o que fragiliza ainda mais a hipótese de coincidência de proximidade, de acordo com a CGU.

Essa similaridade do nome empresarial não é mera coincidência. No dia 11 de maio de 2020, por meio de requerimento enviado à Junta Comercial do Estado da Bahia (Juceb), a G. Assessoria e Concursos Públicos Ltda solicitou alteração do seu nome empresarial para G Apoio e Gestão Gerencial Ltda.

Aproximadamente um mês depois, em 12 de junho de 2020, a Monsterfood Agência de Serviços de Restaurantes Eireli também requereu alteração de nome empresarial para G. Silva Apoio e Gestão Gerencial Eireli.

Além disso, em 2 de dezembro de 2020, menos de um mês após a homologação de uma das dispensas de licitação — ocorrida no dia 12 de novembro de 2020 —, a G. Silva Apoio e Gestão Gerencial deu entrada num pedido de baixa e de extinção de suas atividades comerciais junto à Juceb.

Ou seja, a empresa mudou de nome e, assim que o processo licitatório junto à prefeitura de Coração de Maria acabou, encerrou suas atividades e deixou de existir — o que foi interpretado pela CGU como um indício de manipulação e fraude no processo de contratação dos testes.

Superfaturamento em Coração de Maria

Assim como no caso em Serrinha, a CGU adotou novamente a mediana das contratações de outras prefeituras como parâmetro para realizar a comparação. Como os 2.500 testes referentes à primeira dispensa de licitação (DL nº 018/2020) só foram adquiridos em setembro de 2020 — quando a mediana era de R$ 49,00 —, foi constatada uma diferença unitária R$ 10,00, gerando um superfaturamento de 20,41% ou R$ 25.000,00.

Na segunda dispensa de licitação (DL nº 027/2020) foram contratados 3.100 testes rápidos, em novembro, ao custo unitário de R$ 58,00. Em comparação com a mediana da época (R$ 45,00) é possível notar uma diferença de R$ 13,00 por unidade — representando um sobrepreço de 28,88% ou R$ 40.300,00.

Nas condições apontadas, o sobrepreço praticado nas duas dispensas, somadas, se converteu em superfaturamento estimado de R$ 65.300,00.

De acordo com a CGU, a irregularidade nas dispensas de licitação ocorreu, sobretudo, devido ao fato da prefeitura de Coração de Maria não ter buscado empresas com perfil de atuação na área da saúde e com histórico de comercialização no município ou na região, o que geraria ampliação da competição e preços justos num período de mercado desregulado devido à pandemia.

“Como a dispensa [de licitação] é um processo restrito ao âmbito interno da administração [municipal], efetuar cotações de preços com empresas inter-relacionadas pode significar que a Prefeitura assumiu risco de aceitação de indicação de empresa desconhecida ou de admissão de cotações providenciadas e/ou encaminhadas por terceiros, de forma independente, sem iniciativa dos seus prepostos responsáveis. As duas ocorrências, no entanto, pressupõem permissividade ou mesmo conivência com uma possível situação de simulação de competição”, dizia um trecho do relatório da CGU.

Respostas de Serrinha e Coração de Maria à CGU

Apesar de não ter respondido aos questionamentos do BNews sobre os indícios de fraude e superfaturamento nas aquisições de testes rápidos de Covid-19, as prefeituras de Serrinha e Coração de Maria se posicionaram à CGU.

Sobre a contratação de empresas sem histórico comercial no município ou distantes geograficamente, a prefeitura de Serrinha alegou que não há lei que obrigue a administração pública a pesquisar preços ou contratar empresas exclusivamente do Estado da Bahia.

Além disso, a gestão municipal afirmou que, na época da contratação, os preços dos testes rápidos estavam demasiadamente altos, por ter sido dois meses após a decretação formal do estado 26 de calamidade pública em virtude da pandemia de Covid 19.

“Sentimos fortemente a existência sensível da Lei da Oferta e da Procura, pois em nenhum estado de calamidade o mercado se assenta em tão pouco tempo, haja vista, que até hoje, temos dificuldade com o processo de retorno ao tempo anterior à mudança experimentada por todos nós, no que tange às aquisições das mais diversas peculiaridades a exemplo, dos alimentos, material de construção, carros e demais produtos que sofreram e sofrem com o processo pandêmico”, afirmou a prefeitura de Serrinha à CGU.

Já a prefeitura de Coração de Maria informou à Controladoria-Geral da União (CGU) que as irregularidades ocorreram em 2020, portanto, na gestão anterior à do atual prefeito, Kley Lima (Avante). No entanto, vale ressaltar que o ex-prefeito, Paim da Farmácia, é aliado de Kley Lima — inclusive, tendo o apoiado nas eleições municipais de 2020.

Sobre os indícios de fraude, a gestão alegou que agiu conforme a lei e que a situação de calamidade pública, diante da pandemia de Covid-19, modificou e exigiu medidas excepcionais a serem tomadas para o seu combate, “uma vez que cada dia perdido poderia ocasionar em mais vítimas dessa doença, e que, a partir de então, iniciou-se a mobilização da União, Estados e Municípios para agir com celeridade e combater esse vírus”.

“Desta feita, o Município, diante de todas as suas limitações, especialmente por tratar-se de um Município de pequeno porte, agiu em conformidade com a Lei, uma vez que, apesar de alegar tratar-se de empresas de natureza generalista, não é a realidade dos fatos, visto que todas são voltadas para área da saúde”, afirmou a prefeitura de Coração de Maria à CGU.

Bnews


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