Foto: Reprodução / CNN
As UTIs brasileiras voltaram a registrar um aumento da prevalência de pacientes idosos com Covid-19, especialmente os acima de 80 anos, depois de um período de queda iniciado em meados de setembro de 2021, quando a dose de reforço da vacina foi aplicada.
Dados inéditos do projeto UTIs brasileiras, que monitora 600 unidades públicas e privadas do país, mostra que, a partir da última semana epidemiológica de dezembro, a proporção das pessoas com 60 anos ou mais voltou a subir e disparou nas últimas duas semanas, atingindo 70% dos internados nas unidades de terapia intensiva. Os pacientes acima de 80 anos correspondem a mais de 30%.
Entre setembro e novembro de 2021, esse grupo representava menos de 19% do total de internados em UTIs de Covid. Dados das últimas semanas, ainda não consolidados, apontam para um aumento ainda maior.
No HCor, a média de idade de pacientes na UTI Covid hoje é de 79 anos, a maior desde o início da pandemia. Em 2020 e 2021, a média era de 66 anos. No hospital Albert Einstein, 86% dos pacientes na terapia intensiva têm acima de 60 anos, 45% com mais de 80.
“A proporção de octogenários nas UTIs caiu muito quando eles foram vacinados pela primeira vez [início de 2021]. Depois, quando o efeito da vacina vai se perdendo por conta da imunosenescência [envelhecimento do sistema imunológico], ela volta a subir. Com reforço vacinal, cai de novo, e, agora, explodiu. Talvez seja a hora de se pensar em uma nova dose de reforço”, diz o médico intensivista Ederlon Rezende, coordenador do projeto das UTIs.
Essa imunosenescência pode contribuir para que os níveis de imunidade conferidos pela vacina sejam menores nos idosos, independentemente do tipo de imunização recebida.
Esse foi um dos argumentos da prefeitura de Botucatu (interior paulista) para iniciar no último domingo (6) a aplicação da quarta dose da vacina contra a Covid em todos os idosos com 70 anos ou mais, que tenham tomado a 3ª dose há pelo menos quatro meses. Na segunda (7), o grupo de 60 ou mais foi também incluído.
Em nota técnica, a comissão de acompanhamento, controle, prevenção e tratamento da Covid-19 de Botucatu cita a “redução da efetividade das vacinas contra a Covid-19 com o passar do tempo, a partir de três a quatro meses de sua aplicação e de forma mais evidente após cinco meses”, a “transmissão elevada com aumento de casos graves, hospitalizações e obitos” provocados pela ômicron e “um processo de envelhecimento do sistema imunológico dentre os idosos, o que pode contribuir para que os níveis de imunidade atingidos sejam menores”.
O Ministério da Saúde recomendou nesta quarta-feira (9) a aplicação de quarta dose da vacina da Covid-19 em pessoas imunocomprometidas acima de 12 anos. Antes a indicação era de reforçar a imunização apenas de adultos deste grupo.
O governador João Doria (PSDB) também anunciou que o estado vai aplicar a quarta dose, independente do aval do Ministério da Saúde, mas não definiu quando e nem se haverá grupos prioritários.
Segundo Miguel Cendoroglo Neto, diretor-superintendente médico e serviços hospitalares do Einstein, quanto maior o tempo desde a última dose da vacina, maior é o risco de o idoso pegar Covid mais grave e necessitar de UTI. “Isso sugere que talvez vamos precisar de uma estratégia de vacinação mais amiúde”, afirma.
Entre os com mais de 70 anos internados na UTI do Einstein, 56% tomaram a última dose da vacina entre 90 e 180 dias antes da internação. Outros 13% estavam vacinados há mais de 180 dias.
Fernando Torelly, presidente do Hcor, diz que, em geral, o fato de os idosos terem mais comorbidades também aumenta a chance de internações na UTI e de mortes. Desde o início da pandemia, o hospital registrou 13 óbitos de idosos, com idade média de 88 anos. Todos eles tinham três ou mais comorbidades.
Segundo Cendoroglo Neto, do Einstein, há três fatores relacionados ao perfil de pacientes internados atualmente na UTI Covid do hospital: idade, esquema vacinal e há quanto tempo foi a última dose.
O Einstein foi buscar na base do Ministério da Saúde a informação oficial do esquema vacinal dos doentes, mediante autorização prévia deles.
De um total de 92 pacientes da UTI que tiveram Covid como diagnóstico principal, cerca de um quarto (23,9%) não está vacinado com nenhuma dose; 3,3% têm a primeira dose, 17,4%, duas doses e 55,4% as três doses.
No Hcor, dos 81 pacientes internados na quarta, 25% deles não estavam vacinados, 43% estão com o esquema vacinal incompleto, e 32%, com as três doses.
“Se considerar que estamos falando de uma faixa etária média de 71 anos, e que, no Brasil, a grande maioria está vacinada, é muito significante o número de não vacinados internados”, diz Torelly
Ele reforça, no entanto, que não é possível afirmar que esses pacientes se agravaram apenas pelo fato de não estarem vacinados. “São pacientes com muitas doenças preexistentes, com condições clínicas graves. Mesmo entre os vacinados, a ômicron pode gerar um desequilíbrio no quadro clínico que pode levá-los a uma situação mais grave.”
No Einstein, em cerca de 40% dos pacientes com Covid na UTI ou na semi-intensiva, a doença é secundária. Ou seja, a internação ocorreu mais pelo agravamento de sintomas relacionados a outras doenças de base, como hipertensão descompensada e bronquite asmática, e não pela Covid em si.
Para a infectologista Mirian Dal Ben, do Hospital Sírio-Libanês, entre os pacientes internados com Covid, os que não estão vacinados (em torno de 20%) ou que estão com o esquema de vacinação incompleto tendem a evoluir pior em relação ao grupo de vacinados.
“São aqueles que internam com as características da doença pré-vacina, que fazem aquela piora rápida, expressiva, no sétimo dia da doença, com insuficiência respiratória e precisando de intubação. Cerca de 5% evoluem para insuficiência renal. É muito diferente a evolução do paciente vacinado e do não vacinado.”
Entre os pacientes vacinados com as três doses e que precisam de UTI, afirma a médica, em geral estão os imunossuprimidos graves, como os pacientes oncológicos e os transplantados. “É o grupo que tem uma resposta pior à vacina.”
Um outro dado extraído da base do projeto UTIs brasileiras mostra que o tempo médio de permanência dos pacientes com Covid teve uma redução nessa nova onda causada pela ômicron: de 13 dias, em média, ao longo da pandemia, para 8,7 dias desde meados de dezembro.
“Duas coisas mudaram: o vírus e o hospedeiro. No hospedeiro, a mudança foi a vacina. No vírus, foi a nova variante, a ômicron, que é muito mais contagiante, mas que, na grande maioria dos casos, não provoca uma doença tão grave. Não por conta do vírus apenas, mas porque o hospedeiro agora está vacinado.”
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